Em um dos casos, médico teria pedido R$ 12 mil em espécie para realizar cirurgia cardíaca. Delegado esclarece que exigir o pagamento fora da coparticipação prevista caracteriza vantagem financeira indevida e crime de concussão. IPE Saúde garante que denúncias serão enviadas ao MP.
Por GIovani Grizotti, RBS TV
Após as denúncias de cobranças indevidas por consultas via IPE Saúde, pacientes relatam que foram cobrados por cirurgias que deveriam ser cobertas pelo plano de saúde dos servidores do Rio Grande do Sul. De maio de 2022 até janeiro deste ano, o Instituto recebeu, por meio do canal de ouvidoria, 138 relatos. Quinze médicos foram suspensos, mas nenhum caso foi encaminhado para a polícia ou o Ministério Público.
Em Porto Alegre, a mulher de um servidor aposentado deu entrada em um hospital para colocar três pontes de safena. O procedimento deveria ser pago pelo IPE Saúde, mas, dias antes da operação, o cirurgião teria se queixado dos valores que recebe do plano e pedido R$ 12 mil. O pagamento seria em dinheiro vivo.
– Não, tem que ser em dinheiro vivo e não tem recibo, não tem nada – diz a secretária.
– Tá, mas como? Eu preciso de um recibo – responde o homem.
– Se tu quiser um recibo sem CNPJ eu te dou, mas é 30% mais caro.
O homem chegou a gravar a conversa que teve com outro médico, que cuidava da mulher dele no quarto do hospital. Ele confirmou a cobrança do valor pelo colega. Para justificar, alegou que os cirurgiões cardíacos do RS se descredenciaram do IPE.
Na verdade, o plano conta com 19 cirurgiões cardíacos credenciados em Porto Alegre. O médico que faria a cirurgia da mulher do servidor aposentado está no cadastro.
Para custear o procedimento, o marido da paciente tomou um empréstimo de R$ 5 mil. Antes de fazer o pagamento, ele ligou para a ouvidoria do IPE, que o alertou sobre a ilegalidade da cobrança. O homem conseguiu outro hospital, e a cirurgia foi realizada. Um procedimento administrativo foi aberto para apurar o caso.
“Apurando isso, verificando ao final que nós temos uma situação, de fato, de irregularidade, como nos parece que é esta situação, nós encaminhamos este procedimento, notificamos isso por meio de uma denúncia à promotoria criminal. Eventualmente esse médico possa vir a ser suspenso ou até mesmo descredenciado”, afirma o presidente do IPE Saúde, Bruno Jatene.
Sede do IPE Saúde, em Porto Alegre — Foto: Reprodução/RBS TV
Outros relatos
O esquema de cobranças por fora do Ipe tem se repetido em outros municípios. Um policial militar aposentado teve que contrair um empréstimo no valor de R$ 2.800 para ser operado da vesícula, via plano, em Bagé, na Fronteira Oeste do estado. Na região de Erechim, no Norte do RS, uma mulher pagou por consultas, exames e até mesmo uma cesariana.
”A gente trabalha de dia para comer de noite. O salário da gente já tá defasado. Daí tem que fazer um empréstimo para pagar um valor indevido?”, desabafa um paciente.
A atual gestão do IPE Saúde, empossada há um ano, ressalta que em maio criou a ouvidoria e que até o momento vinha estruturando o setor. A administração do instituto garante que a partir de agora as denúncias começarão a ser enviadas ao Ministério Público.
“Entendemos que é o caso de começar a aproximar de maneira mais célere esse processo junto às promotorias criminais”, afirma Jatene.
A Delegacia de Combate à Corrupção colocou um telefone para receber denúncias de irregularidades. Basta ligar para o número 0800-518-518.
”Se um profissional da saúde vem a exigir o pagamento de um dinheiro fora da coparticipação do IPE Saúde, essa cobrança pode caracterizar uma vantagem financeira indevida e estaríamos à frente de um crime de concussão”, explica o delegado Max Otto Ritter.
A pena prevista para esses casos é de 2 a 12 anos.
Médico examina paciente no RS — Foto: Reprodução/RBS TV