Justiça Militar absolve PMs denunciados por corrupção passiva em caso de suposta escolta de dirigentes de futebol
Conforme a sentença da 2ª Auditoria de Porto Alegre, as provas indicaram a ocorrência de “bico” de segurança privada, mas não de crime
ADRIANA IRION GZH
A Justiça Militar absolveu os quatro policiais militares (PMs) que foram acusados de corrupção, em 2018, por supostamente terem negociado escolta a dirigentes de futebol em Porto Alegre, em troca de dinheiro.
O Ministério Público, que denunciou os PMs à época, pediu a absolvição dos réus em julgamento da 2ª Auditoria de Porto Alegre, no dia 5.
Para a Justiça Militar a prova produzida no processo permitiu somente afirmar que a conduta dos militares configurou o exercício de uma função que seria “tolerada” pela Brigada Militar (BM), que é o bico de segurança privada. Conforme a decisão, não houve “prova efetiva da existência do fato da suposta corrupção anotada na denúncia”. Trecho da decisão descreveu:
— O máximo que a prova produzida permite que se afirme é que atuação (dos militares) teria configurado o exercício do (repita-se) não regulamentar, mas tolerado — indevidamente, mas tolerado! — “bico” de segurança privada e/ou motorista durante os respectivos horários de folga.
Para pedir a absolvição, o promotor Marcos Centeno discorreu sobre a falta de identificação da pessoa que teria tentado contratar o major e sobre dois PMs terem admitido que fariam um bico. Destacou que o bico, por si só, não caracteriza delito de corrupção. O promotor disse se tratar de “fato grave”, mas não ao ponto de “causar reprimenda penal”. Por fim, destacou que os elementos de prova eram insuficientes para embasar um “decreto condenatório”.
O major Fernando Rodrigues Maciel, o hoje sargento Luis Miguel Fernandes e os soldados Euder de Brito Dias e Robson Joacir Ferrazza haviam se tornado réus em 2020. A acusação envolvia suspeita de que o major havia cooptado os demais policiais para fazerem escolta e segurança de dirigentes do Esporte Clube Bahia em Porto Alegre.
O grupo receberia R$ 5 mil pelo serviço. Conforme a sentença, não foi comprovado que o serviço foi feito nem que os valores foram recebidos. A decisão ressalta também que ainda que o serviço tivesse se concretizado mediante pagamento, não seria situação a se enquadrar em crime.
— Se o tal “bico” é tolerado pela Administração, é inequívoco que sua prestação demanda remuneração — ninguém a ele se disporia se assim não fosse, é óbvio — e, como tal, mesmo se percebidos aqueles valores, não se tratariam de vantagens “indevidas”, porque relativas a serviço privado/particular, prestado em horário de folga, aparentemente sem prejuízo ao serviço regular de cada um, e previamente acordado com o “empregador” — foi registrado na sentença.
Denúncia a partir de prints
A investigação começou, na época, a partir de uma denúncia anônima encaminhada à BM de que o major estaria articulando o trabalho de escolta. A denúncia estava acompanhada de prints de conversa por telefone celular que teria como interlocutor o suposto contratante do serviço, que nunca foi identificado na investigação.
Suspeitas envolvendo o telefone, sustentadas pela defesa do major, constam da decisão. O número de telefone, de prefixo (71), que é o DDD de Salvador/BA, estava habilitado em nome de um morador do interior do Rio Grande do Sul, que disse nunca ter ido àquele Estado nem ter habilitado aquela linha.
O detalhe que chama a atenção é que o CPF desta pessoa que seria a dona da linha havia sido consultado por integrantes da BM minutos antes e minutos depois de a linha ser habilitada junto à operadora. Isso indicaria a colocação da linha em nome de um “laranja”. A operação seria parte de uma armação contra o major. A investigação da Corregedoria da BM, no entanto, não avançou para apurar essa hipótese.
— Depois de cinco anos, o major recebeu a tão esperada absolvição e dos demais policiais, que também responderam a essa absurda imputação de corrupção passiva. Parte deste assunto ainda está obscura e merece olhar dedicado da corporação para que fatos semelhantes não se repitam. O major recebe isso com alívio e tranquilidade, pois agora poderá retomar o andamento normal de sua carreira — destacou o advogado Fábio Cesar Rodrigues Silveira, que fez a defesa do major Maciel
Desde o começo da investigação, o oficial foi afastado do trabalho operacional.
— Meus clientes ficaram desde 2018 respondendo por acusação de corrupção passiva, fato que, graças às provas levadas ao processo pela defesa, ficou comprovado não ter ocorrido. Não há provas de que o fato existiu. Eles são e sempre foram inocentes. Tiveram prejuízos internamente na BM em função de responder PAD (processo administrativo disciplinar) e processo criminal — falou a advogada Gabriela John dos Santos Lopes, que defendeu os dois soldados e o sargento.
Questionado sobre qual a repercussão da absolvição sobre os procedimentos administrativos disciplinares que ainda estão pendentes de conclusão pela BM, o coronel Vladimir Luís Silva da Rosa, corregedor-geral da BM, explicou que a decisão judicial será analisada. Sobre o entendimento da corporação sobre o “bico”, o corregedor ressaltou que a instituição “não é flexível nem tolera o bico, que é ilegal”.
O prazo para apelação, a partir da intimação das partes, é de cinco dias. Depois disso, a sentença se torna definitiva e não há mais possibilidade de recursos.