Brigada Militar e a ruptura bélica rumo ao policiamento ostensivo
O momento histórico e social do mês de junho nos traz à mente não só as comemorações Juninas e festas de São Pedro e São Paulo (29 junho), mas nos remete as atividades de policiamento ostensivo através dos chamados “Pedro e Paulo”, nova atividade profissional de segurança pública da Brigada Militar que iniciava a desvinculação de atividades aquarteladas e bélicas para uma de polícia ostensiva. Assim surge um novo olhar nas atividades de segurança num mundo conturbado por grandes mudanças e violências como o bombardeiro da capital Argentina em 1955 (16 junho), o iminente início da guerra do Vietnã, ou no Brasil, a grave crise política surgida logo após o suicídio de Getúlio Vargas (Ago de 1954) e a posse em 1955 do presidente Juscelino Kubitschek eleito como o 21º governante do país.
Um decênio conturbado, mas também conhecido como os “Anos Dourados” com a massificação das propagandas e da recém chegada televisão com a inauguração da TV Tupi (1950), a criação da Petrobrás (1953) e o primeiro transplante em 1954.
Neste mês de junho, de festas juninas e alusão aos santos católicos “Pedro e Paulo” nos parece apropriado recordar um grande salto nas atividades profissionais adotadas pela Brigada Militar que foi o policiamento ostensivo a pé em duplas. Nova modalidade e tendência que vinha de outras polícias no mundo e em particular da Guanabara, capital federal (hoje Rio de janeiro) com as duplas “Cosme e Damião”.
O “Pedro e Paulo” foi a primeira modalidade de policiamento ostensivo, instituída pela Brigada Militar em 12 agosto de 1955 ( BG 183 pag 357), em Porto Alegre, através de duplas de policiais. Diz-se que foi a primeira pois não era mais tida como uma tropa bélica aquartelada e sim tinha suas atividades exclusivas nas ruas. A alcunha era associada pelos nomes dos dois apóstolos/santos católicos Paulo e Pedro que inicialmente deram nome ao Estado do Rio Grande do Sul. Com o lapso temporal de estruturação e treinamento só foi operacionalizado em janeiro de 1956 na capital em pontos de maior movimento como rodoviárias, aeroporto e estações ferroviárias. Usava um uniforme bem desenhado com capacete e borzeguins (coturnos) marrons. Na frente do capacete ao centro havia uma águia ladeada pelas pistolas de “Clarke” e em cada lado as letras PP (de Pedro e Paulo). Jocosamente alguns apelidaram a dupla de “Pé de Porco” devido aos borzeguins marrons e as letras “PP”.
A importância da criação desta Companhia não foi por si só o sucesso nas atividades e recepção pela comunidade gaúcha, mas se iniciou uma grande mudança nas atividades e serviços de segurança a serem prestados pela Brigada Militar. Tão eficaz os resultados que inspirado neste modelo urbano de policiamento foi criado em 1956 o Primeiro Regimento de Polícia Rural Montada (RPMont) – O Chamado Regimento “Abas Largas” reformulando o Primeiro Regimento de Cavalaria, em nítida evolução nas atividades de polícia ostensiva agora para área rural. Importante fazer esta alusão na modificação de pensamento de bélico à policial, pois o Regimento Abas Largas foi criado com um contingente inicial de 2.574 homens que na época representava um terço do efetivo da Brigada Militar (BG 03 de 04 Jan 1956). Juntando-se a este contingente de cavalaria o policiamento a pé, podemos dizer que a grande maioria do efetivo da Brigada já atuava em atividades de polícia ostensiva uma vez que a modalidade de polícia rural montada foi levada a todos os demais regimentos (unidades de cavalaria) e o modelo Pedro e Paulo foi interiorizado com a criação de mais quatro Batalhões Policiais. Assim a Brigada Militar foi abandonando a formação de Batalhões de Caçadores com inspiração militar bélica.
Esta mudança não foi fácil por certa parte dos oficiais que a interpretavam como desprestígio, uma vez que viam a troca das espadas de batalha por “pedaços de pau” que era representado pelo bastão policial. Aqui podemos ver que a criação da companhia Pedro e Paulo não foi uma simples proposta, mas o estopim da mudança das atividades da Brigada Militar como polícia ostensiva e não mais bélica. Com esta mudança houve a rejeição, como falamos de parte da oficialidade, mas também rápida percepção dos órgãos civis que desejam exclusividade nesta atividade sendo os delegados de polícia civil a desejar o “ciclo completo de polícia” nas atividades investigativa e na de policiamento através da Guarda Civil uniformizada. A “pressão” foi forte durante a década de 50 indo de grande campanha do Círculo de Polícia (entidade representativa da Polícia Civil) através de cartas abertas a sociedade e autoridades estaduais e até em publicações em jornais da época para não deixar a Brigada Militar assumir as atividades de polícia. Neste momento houve realmente uma grande explosão de ânimos na Brigada Militar e Polícia Civil pois através de uma norma interna a Brigada criou o curso de “Delegado de Polícia Militar” ( BG 78 de 03 Abr 1958). Mas a grande fratura se deu quando a disputa pelo policiamento saiu do campo jurídico/político para a realidade. Em 15 abril 1958 o delegado João Meleu prendeu dois soldados da Brigada Militar sob a acusação de assassinato, visto que numa ocorrência com tiroteio na rua José do Patrocínio em Porto Alegre, o autor dos disparos contra os policiais militares foi morto e o delegado alegou que os prendeu porque os “brigadianos” não tinham prerrogativas constitucionais de atuar no policiamento, assim eram simples assassinos.
Apesar de todas as pressões o policiamento executado pela Brigada Militar evoluía e era um sucesso de tal forma que em 16 junho 1958, por determinação do governador Ildo Meneghetti, a Companhia é elevada a um Batalhão Pedro e Paulo (BG 143 pag 1129 a 1134) com 708 policiais (operacionalizada em 24 Jun), quando as atividades foram ampliadas para o Porto, Secretaria Estadual da Fazenda, em presídios e prestação de apoio aos serviços judiciários.
O que podemos verificar aqui é que bem antes dos eventos em 1964 e de legislação federal sobre as policias militares e a recente saída do regime do Estado Novo (1937-1945) a Brigada já tinha identificado novas estratégias operacionais com novas pedagogias de segurança ao cidadão e não mais aos modelos políticos de governo através de atividades bélicas. Lançou um serviço profissional de segurança pública voltado ao cidadão e não mais de governo. Assim efetuando recrutamento, treinamento e dando novas missões aos “militares” aquartelados que agora iriam as ruas defender a sociedade. Grande mudança que talvez hoje exija um paradigma similar.
Jorge Luiz Agostini – Cel Ref
Licenciado em História
DOCUMENTOS HISTÓRICOS