Luciano Lindemann, 46 anos, afirma que foco inicial é garantir o tratamento penal adequado aos detentos
BRUNA VIESSERI GZH
De agente penitenciário a novo diretor do Presídio Central de Porto Alegre, Luciano Lindemann passou por áreas diferentes antes de escolher a segurança pública como missão. Trabalhou em imobiliária, em escritório de advocacia, atuou com licitação de contratos do Estado e foi responsável pela renovação de concessão de serviços de radiodifusão. Mas foi dentro de casas prisionais gaúchas que encontrou propósito: reintegrar pessoas presas ao convívio a sociedade. Agora, no comando da cadeia que já foi considerada a pior do país, defende o diálogo aberto, mas sério, junto aos encarcerados, e diz que esse trabalho trará benefício a todo RS.
Ele assume a casa em um momento simbólico: em breve, a antiga estrutura do Central, dividida em pavilhões, não vai mais existir. No espaço, são montados módulos que prometem dar estadia mais digna ao detento. Outra mudança que ficará marcada na história da cadeia é a saída da Brigada Militar da administração, que deveria ser provisória mas perdurou por 28 anos.
Em uma ação cheia de significados, a substituição dos PMs por agentes da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) foi concretizada em uma conferência de presos, na sexta-feira (1º), em operação conjunta entre as duas instituições.
Anunciado na quinta-feira (31), Lindemann assumiu o cargo de diretor, na prática, na sexta. Ele chega ao Central com uma equipe de 30 servidores, que vai trabalhar na gestão da casa. O grupo, “altamente qualificado”, já participou de aberturas de demais casas prisionais do Estado, diz o diretor. Há ainda 180 agentes que passam a atuar em segurança, logística e comunicação com presos.
Currículo
Aos 46 anos, Lindemann traz experiências múltiplas. Ainda na adolescência, trabalhou no escritório de advocacia do pai, nas áreas cível e trabalhista, e também teve passagem pela imobiliária da mãe. Serviu o Exército, formou-se em Administração Pública e passou pelo Ministério das Comunicações, atuando na área de concessão de serviços de radiodifusão, em 1999.
Em 2002, se tornou servidor do Estado e passou a atuar na área de licitação em contratos de compras da secretaria de Administração. Em 2006, decidiu prestar concurso público e entrou para a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Passou pela preparação e assumiu como agente penitenciário em 2007.
Atuou na Penitenciária Modulada Estadual de Osório e na inteligência da Susepe dentro da Secretaria da Segurança Pública (SSP-RS). Depois, foi alçando posições dentro na instituição: chefiou o então Instituto Penal de Canoas e presídios na região do Vale do Sinos.
Foi chefe na 1ª Delegacia Penitenciária Regional do Vale do Sinos por cerca de cinco anos e acompanhou a construção da Penitenciária Estadual de Canoas 1 (Pecan 1) e, depois, do complexo (que reúne Pecan 2, 3 e 4).
Na Capital, passou pelo Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier e, por último, dirigiu o Instituto Psiquiátrico Forense. Fez também uma pós-graduação em Segurança Pública Integrada.
Foi dentro de casas prisionais gaúchas que encontrou propósito: reintegrar pessoas presas ao convívio com a sociedade.
— De todos os lugares que passei, tenho certeza que o Central será o mais marcante. Ele foi um símbolo para a sociedade de forma negativa por algum tempo. Mas estamos empenhados em transformá-lo em uma casa modelo.
Casado e pai de três filhos (uma menina de oito anos e dois jovens, de 25 e 26), o novo gestor nasceu e mora em Porto Alegre.
Futuro da cadeia
Com vasta experiência dentro de unidades prisionais, tem uma visão clara do que pretende dentro do novo Central:
Nosso foco inicial é garantir o tratamento penal adequado para as pessoas presas. Assim que começar a ocupação dos módulos novos, queremos que os presos tenham acesso a educação, saúde e ao trabalho.
LUCIANO LINDEMANN
— Nosso foco inicial é garantir o tratamento penal adequado para as pessoas presas. Assim que começar a ocupação dos módulos novos, queremos que os presos tenham acesso a educação, saúde e ao trabalho. Em especial, vamos focar na qualificação profissional da pessoa que está aqui, para que ao retornar para a sociedade tenha um caminho já pré-traçado, consiga se sustentar e possa mostrar para a sociedade que está apto a voltar ao convívio social. É a nossa grande missão.
O diretor ressalta que o preso, no Central, tem acesso ao Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (Neja) e a Unidade Básica de Saúde (UBS).
Em relação ao trabalho dentro da cadeia, Lindemann afirma que um grupo, que reúne psicólogos, assistentes sociais, equipe jurídica e demais integrantes do governo, planeja formas de oferecer aos detentos capacitação profissional. Como os presos no Central são provisórios — ainda não tiveram julgamento e sentença — as atividades devem ser rápidas, como cursos de dois, três ou seis meses.
Em 2011, quando dirigia o Instituto Penal de Canoas (IPC), Lindemann já trabalhava no objetivo de reintegrar os encarcerados. Naquele ano, um projeto que inseriu presos no mercado de trabalho ganhou força e 90% das pessoas do regime semiaberto da casa realizavam atividades, oferecidas em parceria com a prefeitura do município. À época, o então administrador da casa prisional afirmou que quase 30 mil pessoas do IPC iriam, na sequência, “retornar ao convívio social”.
— Sempre acreditei que, se a sociedade estiver envolvida no tratamento e na oportunização de trabalho, a pessoa presa tem mais condições de voltar à sociedade de maneira saudável, de não reincidir. Acho que parte da gente, enquanto ser humano, entender que é preciso acreditar nas pessoas. Tenho esse sentimento como missão, e o levei por todos os lugares que passei.
Contato com preso
Lindemann diz que não tem perfil de chefia que “fica sentada atrás da mesa”:
— Em todos estabelecimentos que administrei, nunca fiquei sentado atrás da mesa. Sempre fui até o preso, no pátio, na conferência, já estive em audiências. Eu e minha equipe sempre atendemos, até porque é um direito deles.
O gestor afirma que o primeiro contato com detentos do Central — cerca de 800 homens ainda estão detidos do pavilhão B — ocorreu junto da agora ex-diretora da casa, major Ana Maria Hermes. Segundo Lindemann, os encarcerados “estão tranquilos em relação à mudança na direção e sobre a futura transferência”, necessária para conclusão da nova estutura do Central.
Da troca que teve ao longo da trajetória, o gestor lembra do episódio em que um detento foi chamado por uma empresa para atuar em São Paulo, logo após ganhar liberdade. O homem havia ficado preso por cerca de três anos, e trabalhou durante metade desse período. O caso ocorreu em 2009, quando Lindemann dirigia o IPC.
— Ele fazia parte do projeto que previa trabalho laboral aos detidos e já atuava nesta empresa havia algum tempo. Quando estava para sair, lembro que me falou que a empresa iria abrir filial em São Paulo, e que o dono da empresa disse que queria levar ele junto, porque trabalhava muito bem. Me lembro dele emocionado. É algo gratificante, um dos casos que mais me marcou, é o sinal de que quando fazemos esse trabalho bem feito, ele dá resultados. Cada pessoa que volta para um convívio correto e harmonioso representa uma vitória para a sociedade.
Diante do novo desafio, Lindemann celebra o retorno de agentes da Susepe ao presídio, “retomando sua atribuição de cuidar do sistema prisional gaúcho”. Ele também destaca que, dessa forma, policiais militares “qualificados para o trabalho ostensivo” retornam para suas posições, contribuindo para a segurança nas ruas.