Foram 9.462 armas retiradas das ruas no ano passado – houve queda de 4% no comparativo com 2022, quando foram 9.856
LETICIA MENDES GZH
De um sítio em Morungava, na área rural de Gravataí, policiais desenterraram um arsenal formado por fuzis e pistolas, há oito meses. Foram localizadas ao todo na propriedade 26 armas, que estavam em poder de um grupo criminoso. O número equivale a média de apreensões de armamentos realizada por dia no Estado pela Brigada Militar e Polícia Civil em todo ano passado. Ao longo de 2023, foram recolhidas 9.462 armas no Rio Grande do Sul pelas duas corporações, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP). No comparativo com 2022, houve ligeira redução, de 4%.
Entre as duas instituições, a Brigada Militar, que faz o policiamento ostensivo nas ruas, foi responsável por apreender o maior número de armas, com 59% do total. Comandante-geral da BM o coronel Claudio dos Santos Feoli ressalta que retirar armamentos das mãos das organizações criminosas envolvidas no tráfico de drogas e homicídios faz parte da política para frear a violência no Estado. No ano passado, o RS teve queda nos assassinatos e registrou o menor número de mortes violentas desde 2010, com 1.981 casos.
— Essa retirada de 5,6 mil armas nas ruas certamente salvou centenas, talvez milhares de vidas. A gente não tem como mensurar o potencial ofensivo de todas essas armas — afirma o comandante.
Dos armamentos apreendidos pela BM, um ponto que desperta a atenção é o número de fuzis: foram 46, em 2023, um crescimento de 22% no comparativo com o ano anterior. Esse tipo de arma, segundo as polícias, costuma ser apreendida nas mãos das facções.
Em setembro, enquanto a zona norte da Capital vivia um momento de conflitos, resultando em série de homicídios, uma ofensiva da BM e da Civil apreendeu 25 armas de fogo, nos bairros Mário Quintana e Costa e Silva. No arsenal recolhido, estavam três fuzis, três submetralhadoras e duas espingardas calibre 12. A suspeita da polícia é de que os criminosos estivessem se preparando para um confronto.
— O número chama atenção porque os fuzis são armas utilizadas em guerras e tem o potencial lesivo bastante grande. Ele pode significar num único disparo a morte de mais de uma pessoa. Então, a retirada dessas armas de circulação é muito importante para a segurança pública do Estado. Esses fuzis são trazidos sempre para a utilização dessas organizações criminosas que nós combatemos no dia a dia — destaca Feoli.
Origem
Para o comandante alguns fatores explicam o alto número de apreensões de armas, como o total de prisões realizadas no ano passado pela BM, que chegou a 111,6 mil e o de recaptura de 8 mil foragidos. Em muitos casos, segundo Feoli, essas pessoas são presas portando armas de fogo. Outra estratégia apontada como importante para a apreensão de armamentos é a Operação Agro-Hórus, voltada para coibir crimes típicos das áreas rurais e de fronteiras.
— A maioria dessas armas vem principalmente do Paraguai, pelas nossas linhas de fronteira. Geralmente são apreendidas nas mãos de traficantes e de criminosos que cometem roubos. Estão diretamente conectadas com a criminalidade violenta dentro do Estado. É um número que nós gostaríamos, num universo utópico, que fosse menor, mas em 2024 certamente vamos ampliar as apreensões — projeta Feoli.
Além do Paraguai, as armas que chegam ao RS têm origem em outros países, como Argentina e Uruguai. Em março do ano passado, uma ação na fronteira com o Uruguai envolveu a Polícia Civil gaúcha e do país vizinho. Na periferia de Rivera, prenderam um foragido por homicídio, que costumava ostentar fotos com drogas e armas. A suspeita é de que ele estivesse envolvido num esquema de contrabandear armas do Uruguai para o Brasil.
As armas, por vezes, também chegam às mãos dos traficantes de outra forma. Uma operação realizada pelo Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) em dezembro prendeu dois atiradores suspeitos de usar o registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) para adquirir armas e coletes para o crime organizado.
Investigação
Outras estratégias, segundo as polícias, explicam o número de armamentos recolhidos, como a identificação de depósitos usados pelas facções. Em agosto, a Brigada Militar apreendeu 71 armas escondidas numa propriedade rural às margens da RS-030, em Santo Antônio da Patrulha, no Litoral Norte. A ação aconteceu após a BM receber a informação de que o local poderia armazenar o arsenal.
Os policiais militares precisaram escavar o terreno, pois o armamento estava dentro de tonéis de plásticos enterrados. Entre as armas, havia nove fuzis, 40 pistolas, 19 revólveres, duas espingardas e uma submetralhadora. Também foram encontrados produtos que costumam ser misturados em cocaína para aumentar a produção da droga.
Outro arsenal foi encontrado num sítio em Glorinha, na Região Metropolitana, identificado em junho do ano passado. Onze pistolas estavam escondidas dentro de um tonel cheio de óleo. Um dos presos nesta ação estava, inclusive, entre os apontados como executor de uma facção e também vinha sendo investigado por envolvimento na guerra do tráfico que deixou mais de 20 mortos na Grande Porto Alegre em 2022.
Além de reduzir o potencial lesivo dos grupos, as apreensões são uma forma de descapitalização das facções.
— Foram 3,8 mil armas apreendidas pela Polícia Civil no ano passado. É um número alto, embora um pouco menor do que em 2022. Mas, se somarmos os dois anos temos 7.782 armas apreendidas. Em 2023, a polícia fez 927 operações policiais. Em quase todas essas operações apreendemos armas, drogas, dinheiro. Temos feito essas ações qualificadas, no combate ao crime organizado, que tem resultado nesse grande número de apreensões de armas — afirma o subchefe da Polícia Civil no Estado, delegado Heraldo Chaves Guerreiro.
As armas apreendidas também podem se transformar em provas para as investigações. Há dois anos, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) passou a contar com um indexador balístico para qualificar as análises que envolvam a utilização de armas de fogo. É possível determinar, com mais agilidade, por exemplo, se a munição recolhida numa cena de crime veio de determinada arma.
— As organizações mantêm matadores e, muitas vezes, a mesma arma é usada em mais de um local de crime. Isso tem nos ajudado a apontar e identificar criminosos. É importante para estabelecer a autoria dos crimes com segurança para que, depois, haja denúncia por parte do MP, e condenação pelo Judiciário — diz Guerreiro.