Treze grupos mantêm características de atuação local em municípios gaúchos
LUIZ DIBE GZH
Dados de um mapeamento realizado nas prisões brasileiras pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP) apontam que, no Rio Grande do Sul, atuam 15 organizações criminosas, sendo duas delas com abrangência em todo o Estado e outras 13 com características de atuação local, em municípios e localidades gaúchas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo e dão conta da existência de pelo menos 72 facções identificadas pelo órgão federal no país.
Conforme o diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc-RS), delegado Carlos Wendt, as autoridades estaduais de segurança pública evitam reproduzir publicamente os nomes adotados pelas facções. O objetivo é inviabilizar a notoriedade ostentada pelos grupos e o impacto negativo que a publicidade sobre a autoria de crimes pode produzir na sociedade.
— No começo, eram amontoados de criminosos com alguma divisão de tarefas. Atualmente, é possível observar clareza no sistemas de hierarquia, setorização de funções e divisão de territorialidade. Os criminosos passaram a estruturar sua ação como em uma empresa — define o diretor do Denarc.
Wendt confirma o apontamento do MJSP sobre a existência de duas facções com abrangência estadual. Ele acrescenta que estes dois grupos mantêm conexões com as organizações nacionais e também com aquelas organizadas pelo território gaúcho.
— Nosso trabalho para enfrentamento às organizações está estruturado no mapeamento dos grupos, suas lideranças, hierarquia e conexões. Este acompanhamento é permanente, e o foco deixou de ser a busca de prisões em quantidade, mas pela qualidade da investigação. Os objetivos são abater o capital do crime com a desarticulação dos esquemas de lavagem do dinheiro e o isolar as lideranças em regime prisional compatível com a sua periculosidade — descreve Wendt.
O delegado cita a prisão realizada em setembro passado, em Fortaleza, no Ceará, de homem apontado por liderar facção gaúcha (veja o vídeo abaixo). A ação decorreu de investigação promovida por meses no departamento. Wendt revela, ainda, que não haveria nenhuma determinação estatutária entre os grupos e que as conexões seriam casuais, transitando entre um conjunto de práticas violentas e um intenso pragmatismo pelo ganho material.
— O que define o viés das relações é o olhar para o dinheiro. Há ocasiões nas quais rivais, que travam guerra em determinada localidade, formam aliança para obter um determinado resultado. O ganho de capital está acima de qualquer disputa ou vaidade — explica.
A reportagem de GZH entrou em contato com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP), solicitando acesso ao mapa nacional das facções e entrevista sobre o tema. Por nota, o MJSP não indicou como os dados foram divulgados para apenas um veículo de comunicação.
“O MJSP mapeia e acompanha as organizações criminosas no Brasil com um largo trabalho de combate ao crescimento das mesmas. Por questões de segurança, o MJSP não divulga dados do mapeamento que é realizado pela Pasta.”
“Dinâmica carcerária”
Conforme o pesquisador da Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rodrigo de Azevedo, para entender o modelo de organização criminosa no Brasil é preciso levar em conta a “dinâmica carcerária”.
— Estas organizações têm conseguido se reproduzir e até se originar dentro da estrutura carcerária. Com isso, a prisão acaba sendo um local de arregimentação e de ampliação da capacidade de organização desses grupos — comenta.
O especialista destaca que o Estado não consegue interromper a ação das facções justamente pela articulação se dar em ambiente prisional.
— São atividades lucrativas, que garantem renda e reconhecimento em áreas de periferia urbana. Tem demanda de um mercado ilegal bastante importante. Com tudo isso, a resposta ao delito por meio do encarceramento acaba não tendo o efeito de interromper estes fluxos — analisa Azevedo.
Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) destacou que investiu “nos últimos anos” R$ 500 milhões na segurança do sistema prisional gaúcho. “Está em andamento a contratação de tecnologia para impedir a comunicação das pessoas privadas de liberdade com o ambiente externo, bem como iniciativas de inteligência para identificar as ações dessas organizações que culminam com o aumento de operações de revista nas unidades prisionais”, diz manifestação enviada pela pasta.
Recentemente, a SSPS, justamente com objetivo de reduzir a possibilidade de comunicação dos detentos com pessoas fora das unidades prisionais, inaugurou uma nova penitenciária em Charqueadas, na Região Carbonífera, em que as celas não dispõem de pontos de ligação com a rede elétrica. “As novas unidades prisionais, com modelos estruturais diferenciados, buscam aprimorar os requisitos de segurança e de tratamento penal, ofertando vagas qualificadas, melhores condições de trabalho aos servidores e ressocialização para as pessoas privadas de liberdade. São avanços como esses que contribuem para o sistema prisional eficaz”, argumentou a secretaria a este respeito.