Atuando na segurança por meio do disfarce

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A atuação da PM2, ou Segunda Seção, como muitos policiais militares se referem ao serviço de inteligência, é reservada e cercada de cuidados, tanto para atingir seus objetivos como para proteger os brigadianos.

| Foto: Mauro Schaefer

Correio do Povo

As manifestações contra o aumento das passagens nos anos de 2013 e 2014 mobilizaram as autoridades do Rio Grande do Sul. Até então, nada igual havia ocorrido, apenas alguns protestos, mas não com a grandiosidade daquelas manifestações. Neste período, surgiu no Estado o grupo conhecido como black block, responsável por atos de vandalismo como incêndios a ônibus e depredações de vidraças de bancos e de outros estabelecimentos comerciais e privados. Porém, conforme a Brigada Militar, os integrantes do grupo nunca descobriram que junto com eles estava um agente do setor de inteligência do Comando de Policiamento da Capital (CPC), da Brigada Militar, que acompanhava os passos do grupo e ficava sabendo das articulações. 

Atualmente na reserva, este policial militar, que prefere não ser identificado, lembra de certos momentos. Na época em que estourou os protestos contra o aumento das passagens, ele foi designado para monitorar os black blocks, tendo se infiltrado no movimento. Para isso, deixou o cabelo crescer até a altura dos ombros e passou a usar roupas diferentes, ficando parecido com um integrante de alguma banda de heavy metal. “Em outros casos, não foi preciso me disfarçar, atuei de farda mesmo”, afirmou ele. “Mas não posso entrar em detalhes sobre as ações que participei, pois descobrirão quem eu sou”, disse. “Todo agente cria uma história-cobertura e assim vai participando dos atos e se firmando no grupo, alguns são descobertos e precisam se afastar, outros seguem. O que importa é a missão”, ressalta o policial militar da reserva. 

Outro veterano

Verão de 1991. O sol estava forte, afinal eram 14h, e um homem andava firme, apesar de segurar uma garrafa de cachaça na mão direita. Ele estava entrando em uma vila da zona Leste de Porto Alegre. O seu perfil, cabelos longos, barba crescida, usando jeans, tênis e uma camisa por cima de uma camiseta, não chamava muito a atenção no local, apesar de ser novo na área. Foi uma incursão rápida, foi levantado os dados e o agente saiu da região. 

Esta situação foi vivida por um outro veterano, praticamente decano no serviço de inteligência da BM. Atualmente coronel da reserva, de 52 anos, ele atuou no serviço de inteligência por uma década, vivenciando as mudanças que ocorreram na área de segurança durante este tempo. “O disfarce daquela época, hoje não dá mais para usar, pois os criminosos agora usam os cabelo raspado que nem os PMs”, comentou, não contendo o riso. Ele trabalhou poucas vezes infiltrado e, quando se infiltrou, foi por pouco tempo. “Temos que pensar na segurança. É preciso levantar a informação e sair da área”, aconselha. “A Agência Regional de Inteligência ou a Central também, ressalta o coronel, serve para dar suporte ao policiamento e ao comandante da Brigada.”

Uma coisa é necessária levar em conta no trabalho dos agentes: a segurança do agente. Jurídica e física. O trabalho infiltrado, ressalta o veterano, precisa da autorização judicial, assim como as escutas telefônicas, e o pedido tem que ser bem fundamentado para não dar problemas mais tarde. A segurança é outro fator. Esta, de acordo com ele, é feita pelos colegas do agente que está em campo, apurando alguma informação. “O agente sabe que tem colegas que o estão acompanhando e lhe darão proteção. São usados quantos brigadianos forem necessários para proteger o PM que está levantando os dados”, conta. “Uma coisa é eu entrar fardado, colete, pistola e arma longa em um local conflagrado. Outra, é fazer uma incursão em trajes civis, em um carro velho e levar apenas uma garrafa de cachaça, por exemplo. Por isso, é preciso proteção”, explica. 

Este decano de ações pela PM2, ou Segunda Seção, como muitos policiais militares se referem ao serviço de inteligência, recorda que as missões que mais lhe deram a sensação do dever cumprido foram aquelas que resultaram na queda dos chefões do tráfico. Em termos de disfarce, ele foi de um extremo a outro. Parecendo hippie em uma operação e empresário, em outra. “Em uma das missões, tive que cortar o cabelo, tirar a barba, colocar terno e gravata e alugar um carro mais sofisticado para apurar uma situação.”

Dentro do QG da inteligência da Brigada

Quem entra no QG da Brigada Militar, no Centro de Porto Alegre, não imagina que descendo um lance de escadas estará na área da Agência Central de Inteligência (ACI). Um local onde as portas, que ficam atrás de grades, só abrem com a leitura da retina da pessoa autorizada a entrar nas dependências da agência. Ali, algumas peças servem para que os policiais militares que estão lotados na PM2, ou Segunda Seção, como muitos militares falam, façam o seu trabalho. Levantar informações do que pode se transformar em uma tragédia na Capital ou em outra cidade do RS. “Os trabalhos de inteligência e investigação funcionam por várias vertentes, e todas elas funcionam de forma integrada. Temos a observação e produção de conhecimento in loco, a captação de dados e informações, o tratamento de dados dos registros policiais por meio de ferramentas de tecnologia, como softwares e mapas de calor, os estudos estratégicos em relação ao perfil e às características das ocorrências, entre outras ferramentas. Tudo isso subsidia o planejamento operacional das ações de policiamento ostensivo e repressivo da Operação Agro-Hórus”, afirmou a Brigada por meio de nota.
O certo é que, das salas situadas no porão do QG, saem informações para o governador e para o comandante-geral. Os informes ajudarão a montar algum esquema que evite atentados ou ataques contra instituições, sejam estatais ou privadas. A contribuição da PM2 para a Segurança Pública é sentida em várias ocasiões, mesmo que a população não saiba quem foram os responsáveis por flagrar uma quadrilha ou evitar um ataque em um pequena cidade do Interior. 

Uma das ações deflagradas pela PM2 atualmente é a operação Agro-Hórus. Esta ação levou em conta, quando foi planejada, um cenário que apontou qual seria a melhor região para implantar uma operação que atendesse à demanda na área rural. A ação foi organizada para reprimir os crimes que ocorriam na região, sendo que os bandidos tinham a possibilidade de fugir pela fronteira. A operação passou a contar com ações de inteligência, que foram iniciadas três meses antes de a Agro-Hórus ser deflagrada. O que foi apurado pelos agentes de inteligências ajudou a decidir de que forma seria feita a atuação dos policiais militares nas regiões onde foi desenvolvida a ação. 

A Agro-Hórus opera em três planos, de acordo com a Brigada Militar, com atores determinados em cada um destes planos: o estratégico, sob responsabilidade do Comando-Geral e da ACI; o tático, executado pelos Comandos Regionais de Polícia Ostensiva e Agências Regionais de Inteligência; e o operacional, trabalho feito por órgãos de apoio, unidades operacionais e agências locais de inteligência.

A Agro-Hórus acontece de maneira permanente na área transfronteiriça do Rio Grande do Sul. São abrangidas as regiões Sul, Centro-Sul, Oeste e noroeste do Estado, além da divisa com Santa Catarina e a fronteira com a Argentina e Uruguai, locais onde o contrabando de armas e cigarros, entre outros produtos, é expressivo. Também são empregados efetivos de patrulhamento rural nos municípios de fronteira e em regiões próximas das fronteiras. 

A ação tem uma importância para toda uma região. Tanto que a colaboração da comunidade não só existe como é fundamental. “A BM costuma afirmar que o trabalho da Brigada é feito para a comunidade e, com o apoio dela, os resultados podem ser potencializados”, afirmou a instituição em nota. Segundo a BM, “a participação da sociedade civil, seja contribuindo com denúncias, mantendo um ar vigilante ou abraçando as equipes de policiamento das regiões, é de fundamental importância para o sucesso que está sendo a Operação Agro-Hórus. Esse apoio se materializa, ainda mais especificamente, nas áreas rurais, em que o território é vasto e explorando por indivíduos com bom conhecimento das regiões.” De acordo com a BM, até dezembro de 2022 foram desenvolvidas seis fases da operação. A operação, conforme a BM não tem término, assim como a Operação Angico, que teve como precursora a Operação Diamante, esta idealizada em 2018 pelo subcomandante-geral da BM na época, coronel Eduardo Biacchi. 

A última estatística lançada, referente ao mês de abril deste ano, aponta que foram mobilizados 116 policiais militares, de diversos batalhões, 38 viaturas, uma aeronave e uma embarcação. Ao todo, de acordo Brigada, foram abordadas 426 pessoas, fiscalizados 269 veículos, seis estabelecimentos comerciais, 320 embarcações. Foram detidas 1.190 pessoas pelos mais variados crimes. Além dos detidos, os policiais militares capturaram 350 foragidos da Justiça ou do sistema prisional, apreenderam R$ 602.996,00 em dinheiro e cinco máquinas agrícolas.
outras apreensões. 

Segundo dados da BM, os PMs também apreenderam 89.512 litros de agrotóxicos, 34.893 maços de cigarro, 803 toneladas de grãos, 46.141 garrafas de bebidas, 10.988 toneladas de proteína animal, 5.690 celulares, 393 armas de fogo, 7.517 munições. A BM afirmou que a ação fez com que 10% dos registros de roubos a residências diminuíssem, o furto abigeato diminuísse 11% e os assassinatos caíssem 10%.

O nascimento da PM2 e suas atividades ao longo do tempo

A atividade de inteligência no Rio Grande do Sul existe há pelo menos mais de um século, no que seria a Força Policial da época. Durante as revoluções Farroupilha, Federalista (1893) e a de 1823, já existia uma espécie de agente de informação, que ia a campo para levantar informações e passar a seus superiores. Este homem era chamado de “bombeiro”, o soldado que ia na frente das tropas para “bombear” (espiar) a movimentação do inimigo, se estavam em marcha, quantos pelotões tinha. Geralmente, este “agente secreto” ficava em cima de uma colina, tentando não ser percebido e, após levantar a informação, tinha que voltar correndo para informar a seus superiores. 

De acordo com a Brigada Militar, em 1889, Patrício José Correia da Câmara, o Visconde de Pelotas, extingue a Força Policial e cria a Guarda Cívica, composta por quatro seções, sendo uma delas a 2<SC120,170> Seção (o serviço de inteligência). Um pouco mais adiante, em 1892, é criado o Estado Maior da BM e junto com ele a Segunda Seção (que mais tarde seria batizada de PM2, ou Segunda Seção, esta última nomenclatura é usualmente usada no Exército). 

No ano de 1948, é elaborado o Regulamento Geral da Brigada Militar (RGBM) através do decreto 67, de 14 de agosto. O artigo 119 estabelecia as atribuições da Segunda Seção e, no artigo 120, a missão do chefe desta seção. 

Em 1989, a Constituição Estadual, em seu artigo 125, parágrafo único, determina que o Estado só poderá operar os serviços de informações que se refiram exclusivamente ao que a lei defina como delinquência. Um fato interessante que a Brigada Militar até 1997 não tinha uma corregedoria para investigar os delitos ou crimes dos quais os policiais militares eram acusados. Este serviço ficava a cargo da Segunda Seção. Este trabalho durou até a publicação da Lei n10.990, de 18 de agosto de 1997, que cria uma corregedoria.

Em 2004, o decreto 42.871/04 cria a Segunda Seção, ou PM2 e em 2005, é elaborada a Diretriz Geral de Inteligência, sendo que em 2006, é elaborado o Regulamento Geral de Inteligência. Tudo isso muda em 2007, quando a PM2 sofre uma reestruturação com a edição da Portaria n316 do Estado Maior da BM, na qual a instituição é isolada das demais seções do Estado Maior. A PM2 é subdividida, então, em chefia e subchefia, adjuntoria de análise, adjuntoria de contrainteligência, administração, adjuntoria de operações de inteligência, adjuntoria de ensino policial militar e adjuntoria de tecnologia da informação. A agência também recebe autonomia financeira. “No ano de 2016 é estabelecida a Diretriz de Inteligência da Brigada Militar 037/16. Ficam estabelecidas normas gerais às atividades de inteligência policial militar, no âmbito da BM, objetivando assessorar o Comando-Geral da Brigada na tomada de decisões por meio da produção de informações.” Atualmente, está em processo de criação a Diretoria de Inteligência.

ENTRAR NA PMP2

Entrar no serviço de inteligência da Brigada Militar requer certos requisitos. De acordo com a BM, os integrantes da Agência Central de Inteligência ou das agências regionais, estes ligados aos batalhões, devem ser convidados para integrar a atividade. 

De acordo com um coronel da reserva, que atuou por muito tempo na PM2, alguns nomes são indicados para atuarem no serviço de informação, mas, mesmo assim, passam por uma avaliação, além de ser analisada a vida pregressa do candidato. O “recruta” deve ter características básicas, como ser atilado, saber captar as informações rapidamente e ter uma percepção de, estando a 20 metros do alvo, perceber o que está acontecendo nos 360 graus ao seu redor. Se aprovado, ele passará por vários cursos para se qualificar para o serviço. 

Os futuros integrantes do Serviço de Inteligência também são observados na rua, durante o patrulhamento ostensivo. De acordo com a Brigada Militar, os que já fazem parte da PM2 ficam observando os policiais militares que estão no policiamento na rua, a maneira como se comportam, como agem em uma situação de emergência, entre outras ações. Se for constatado que o brigadiano tem uma percepção do que está ocorrendo a seu redor, tendo uma visão boa para detectar algum criminoso ou outros problemas, ele poderá ser convidado a integrar a PM2. 

Após o convite, o policial militar passará por uma entrevista que também avaliará se ele serve para o serviço reservado da instituição. Passando esta fase, o “recruta” terá que fazer um curso de inteligência para entrar. São cursos básicos, como o de contrainteligência, de análise e também é avaliado o seu movimento na rua. De acordo com a BM, os cursos ministrados na instituição são extremamente exigentes. Tanto que policiais militares de São Paulo e de Santa Catarina vêm fazê-lo aqui. 

Paulo Tavares

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