Levantamento foi realizado pelo comando da instituição, ouviu mais de 18 mil brigadianos e teve os resultados divulgados recentemente. Contingente está mais jovem e escolarizado
Carlos Rollsing GZH
O 2º Censo da Brigada Militar (BM), realizado pelo comando da instituição para ampliar o conhecimento sobre a tropa, revelou dois eixos de sensação dos policiais gaúchos, um de insatisfação e outro de satisfação. As entrevistas foram feitas em outubro de 2023 com 18,2 mil integrantes da corporação, mas os resultados foram divulgados recentemente pelo comando.
Os brigadianos estão, em maioria, descontentes com o salário: essa foi a posição de 73,35%. Já o descrédito quanto ao plano de carreira alcançou 85,23%. No mesmo flanco, 61,82% afirmaram não se sentirem valorizados na BM e 38,2% manifestaram pretensão de deixar a corporação para empreender ou buscar outro concurso público.
O lado da satisfação é dominado pela percepção quanto aos instrumentos de trabalho e carga horária. A maioria se declarou contente com o fardamento (67,37%), colete à prova de balas (80,2%), outros equipamentos de proteção individual (67,16%), armamento (87,27%), viaturas (63,4%) e jornada de trabalho (60,07%).
O 2º Censo ainda revelou que a tropa é jovem. Quase metade do efetivo tem entre 28 e 37 anos. Ao mesmo tempo, melhorou a escolaridade, com 46,94% dos membros da BM tendo Ensino Superior completo. A juventude e o melhor nível educacional são apontados como qualificadoras da prestação de serviço.
Outra descoberta foi que 59,94% dos brigadianos fizeram ou fazem tratamento psiquiátrico e psicológico. Entre os 24,88% que afirmaram tomar remédio diariamente, a maior parte disse que é medicação contínua para fins psicológicos e psiquiátricos. Essa detecção do Censo divide opiniões entre membros da corporação ouvidos pela reportagem: parte entende que é sinal positivo porque o policial está cuidando mais da saúde mental, enquanto outra parcela avalia que é reflexo da insatisfação e do estresse do brigadiano de baixa patente, endividado e instado a lidar com o risco à vida.
O 2º Censo foi realizado pelo Departamento Administrativo da BM. A primeira edição teve coleta de dados entre setembro e outubro de 2020.
Questão salarial e promoções são dominantes para carreiras de nível médio
O levantamento revelou que, em outubro de 2023, 41,42% dos servidores da BM tinham remuneração entre
R$ 4,9 mil e R$ 7,1 mil. Isso corresponde aos soldados, que, junto com duas classes de sargentos e 1º tenente, formam o quadro de nível médio. Eles também são conhecidos como praças. As reclamações são relacionadas à distância ante os oficiais, cujo primeiro posto, o de capitão, tem atualmente subsídio de R$ 21,5 mil.
— De 2019 para cá, os brigadianos tiveram mais de 60% de perdas inflacionárias. E temos um sistema que propicia morosidade na promoção dos praças. Há casos de pessoas que entram na BM como soldados e vão à reserva (aposentadoria) como soldados — diz Maico Volz, presidente da Abamf, entidade que agrega agentes de nível médio.
Um dado do Censo reforça o problema financeiro dos brigadianos: 77,94% declararam ter empréstimo consignado. Volz afirma que a maioria dos que buscam auxílio jurídico da Abamf está superendividada e deseja mediação judicial com os credores.
— A remuneração é baixa entre servidores de nível médio. Eles ainda se obrigam a ir para o bico. Estamos com elevado índice de pessoal em tratamento psicológico. O policial estressado está sujeito a cometer falhas — afirma Ricardo Agra, diretor de relações institucionais da Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da BM (Asstbm).
Para Volz, os níveis de insatisfação com o salário e a carreira foram determinantes para mais de 6,6 mil policiais terem manifestado a pretensão de deixar a BM.
— O curso para a formação de um soldado dura, em média, 11 meses. É caro para a sociedade fazer o investimento e ele permanecer por pouco tempo. Precisamos de valorização — avalia Volz.

Para a Brigada, melhorias recentes devem reduzir insatisfação
O coronel Cléber Rodrigues dos Santos, diretor do Departamento Administrativo da BM, pondera que o resultado do 2º Censo mostra uma radiografia de outubro de 2023, quando a pesquisa foi realizada. Desde 2019 até a aplicação do questionário, os brigadianos haviam recebido apenas uma reposição inflacionária de 6% em 2022, estendida a todo o funcionalismo.
Ele destaca o cenário da época, quando algumas reformas retiraram benefícios. O coronel opina que o período de austeridade permitiu melhorias recentes. Santos cita o aumento do vale-refeição e o reajuste salarial de 12,49% para a segurança pública, com três parcelas incorporadas ao contracheque em janeiro e outubro de 2025 e outubro de 2026. A mesma legislação reduziu as classes de soldados de três para duas, o que garante valorização no piso.
— O salário inicial do soldado vai passar de R$ 4.970 (valor de dezembro de 2024) para R$ 6.429, em outubro de 2026. Um aumento de quase 30%. Acreditamos que, para o próximo Censo, vamos diminuir a insatisfação — diz Santos.
O diretor do Departamento Administrativo da BM também destaca a decisão da polícia de converter 5,2 mil cargos de 3º sargento, em extinção e que estavam vagos, em postos de 2º sargento, 1º sargento e 1º tenente. São funções para as quais os soldados podem ascender, em uma tentativa de atender os anseios por progressão na carreira entre as mais baixas patentes.
O coronel refuta a hipótese de que a elevada insatisfação prejudique a prestação do serviço à comunidade. Para demonstrar isso, menciona que os índices de criminalidade foram reduzidos ao menor patamar da série histórica em 2024. Santos também rebate a crítica de que o cenário revelado possa impulsionar erros ou excesso de força policial.
— Insatisfações e busca por melhor remuneração são naturais do ser humano. A BM atende milhares de ocorrências diariamente. Algum erro que eventualmente ocorra é exceção. A Corregedoria é firme para apurar a verdade e responsabilizar o policial que pode ter atuado equivocadamente — afirma.
Satisfação com equipamentos
Os contentamentos dos brigadianos apurados pelo Censo se referem à jornada de trabalho e aos itens para a atuação cotidiana de segurança pública. Os principais destaques são para o armamento e o colete, ambos com mais de 80% de satisfação.
— Quanto a isso, não há o que reclamar. Sinto melhora depois da aprovação do Programa de Incentivo ao Aparelhamento da Segurança Pública (Piseg ) — diz Agra, da Asstbm.
A política citada permite que empresas destinem uma parcela de até 5% do ICMS devido para o investimento em segurança pública.
— A satisfação é reflexo do suporte que o comando tem dado para a melhoria das condições de trabalho. Hoje, toda a viatura adquirida para a atividade operacional possui a semiblindagem. O objetivo é proteger quem protege a sociedade — diz o coronel Santos.
O diretor do Departamento Administrativo da BM afirma desconhecer a realização de um Censo por outras polícias militares do Brasil. O oficial definiu o levantamento como “imprescindível para as políticas de recursos humanos”.
O 2º censo da BM entrevistou 18.226 membros da corporação em outubro de 2023. Confira alguns dados:
Gênero
- 81,69% dos servidores são homens
- 18,31% são mulheres (aumento de 2,3 pontos em relação ao Censo 2020)
Faixa etária
- 24,65% têm entre 28 anos e 32 anos
- 21,31% dos integrantes têm entre 33 anos e 37 anos
- 21,23% dos membros têm entre 38 anos e 42 anos
- 24,43% têm mais de 43 anos
- 8,36% dos servidores têm até 27 anos
Renda bruta mensal
- 41,42% dos servidores têm renda entre R$ 4.970,61 e R$ 7.102,66
- 21,03% têm renda entre R$ 7.102,66 e R$ 9.766,16
- 15,28% têm renda entre R$ 9.766,16 e R$ 13.317,51
- 11,69% têm renda inferior a R$ 4.970,61
- 6,43% têm renda entre R$ 13.317,51 e R$ 20.686,00
- 4,15% têm renda superior a
R$ 20.686,00
Escolaridade
- 46,94% dos servidores têm ensino superior completo (índice era de 25,33% no Censo 2020)
- 30,50% têm ensino médio completo
- 19,67% têm ensino superior incompleto
- 1,82% têm nível técnico
- 1,08% outros
Usa medicamento diariamente
- 24,88% sim
- 75,12% não
O maior contingente, de 1.631 entrevistados, afirmou usar medicação contínua para tratamento psiquiátrico e psicológico. Depois, 1.276 informaram tomar remédio para pressão alta.
Fez ou faz tratamento psiquiátrico e psicológico?
- 40,06% não
- 26,71% sim, particular
- 24,95% sim, na BM
- 8,28% sim, particular e BM
No total, 59,94% dos integrantes da corporação já fizeram ou fazem tratamento psiquiátrico ou psicológico.
Já se envolveram em conflito armado?
- 50,89% sim
- 49,11% não
Já sofreram algum ferimento no atendimento de ocorrência?
- 57,64% não
- 42,36% sim
Você se sente valorizado na Brigada Militar?
- 61,82% não. Essa foi a resposta de 10.687 entrevistados
- 38,18% sim
Pretende deixar a BM para empreender negócio próprio ou outro concurso público?
- 38,2% sim. Essa foi a resposta de 6.604 entrevistados
- 61,8% não
Em relação ao plano de carreira
- 46,69% muito insatisfeito
- 38,54% insatisfeito
- 9,55% satisfeito
- 3,79% indiferente
- 1,43% muito satisfeito
Os indicadores de insatisfação com o plano de carreira, somados, alcançam 85,23%.
Em relação ao salário
- 52,01% insatisfeito
- 21,34% muito insatisfeito
- 19,83% satisfeito (no Censo 2020, a satisfação tinha sido de 54,20%)
- 5,56% indiferente
- 1,23% muito satisfeito
- 0,02% não respondeu
Os indicadores de insatisfação, somados, alcançam 73,35% com a remuneração.
Em relação ao fardamento operacional
56,38% satisfeito e 10,99% muito satisfeito
Em relação ao colete
67,24% satisfeito e 12,96% muito satisfeito
Em relação aos demais EPIs
61,47% satisfeito e 5,69% muito satisfeito
Em relação ao armamento
68,72% satisfeito e 18,55% muito satisfeito
Em relação às viaturas
52,27% satisfeito e 11,13% muito satisfeito
Em relação à jornada de trabalho
57,48% satisfeito e 2,59% muito satisfeito