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Centenário do Falecimento do Cel Afonso Emílio Massot

Esta terça-feira, 21 de outubro, marca o centenário de falecimento do Patrono da Brigada Militar, Cel. Massot. Ao longo da semana, serão realizados diversos atos em homenagem a essa data simbólica. No entanto, mais importante que as solenidades, é conhecer a história e o legado deixados por aquele que inspira gerações de brigadianos.

O Jornal Correio Brigadiano reproduz o brilhante discurso que resgata a trajetória do Cel. Massot, proferido pelo Desembargador Militar do TJMRS, Cel. Sérgio Brum, decano da Corte, que gentilmente autorizou sua publicação.

Senhoras e senhores,

É com sincera emoção que abrimos este Ato de Homenagem ao Coronel Afonso Emílio Massot, exatamente cem anos após a sua morte. Um século se passou, mas sua memória permanece viva na Brigada Militar e na Justiça Militar do Rio Grande do Sul.

Quero, antes de tudo, saudar com respeito à família Massot. Hoje, vocês não apenas representam o sangue e o nome de Afonso Emílio. Representam a ponte entre o passado e o futuro. Cumprimento também às autoridades civis e militares, colegas magistrados, servidores e todos que se uniram neste tributo.

1. A vida e a trajetória do Coronel Massot Origens e formação

Afonso Emílio Massot nasceu em Pelotas, em 16 de outubro de 1865. Filho de Alphonse Théodore Émile Massot de Messimy, francês, e de Cesária Amélia Berny de Laquintinie Massot, herdou da família o gosto  pela  disciplina  e  pela  cultura. Cresceu num ambiente intelectual e ético. Ainda jovem, auxiliou na formação dos irmãos mais novos e fundou, com o irmão Luiz Carlos, o Colégio Evolução, onde lecionava francês, geografia e moral. Era, antes de tudo, educador.

Vida pessoal e legado humano

 Em 1902, casou-se com Maria Eduarda de Alencastro, com quem teve cinco filhos: Eurico, Eleonora, Sara, Maria Regina e João Batista – todos herdeiros de sua vocação pelo serviço e pelo estudo. Era também maçom, chegando a Venerável Mestre da Loja Rio Branco, onde pregava à ética, o civismo e a instrução. Faleceu em Porto Alegre, em 21 de outubro de 1925, aos 60 anos. Logo após, esta Corte registrou voto de pesar, reconhecendo a perda de um de seus fundadores.

Em 1953, foi oficialmente declarado Patrono da Brigada Militar, título que simboliza sua eternidade institucional, proposta do Comandante-Geral Venâncio Batista oficializada pelo Governador gaucho Ernesto Dornelles..

O ingresso na carreira militar e a ascensão ao Comando-Geral da Brigada

 Em 1892, ano da criação da Brigada Militar, Massot ingressou como capitão comandante do 1.º Batalhão de Infantaria da Reserva, em Pelotas, trocando a profissão de professor pela de militar.

Em 1893, teve seu batismo de fogo no Combate do Salsinho (11 de fevereiro), enfrentando as tropas de Gumercindo Saraiva em Carpinteria. Ainda nesse ano, participou dos combates de Upamaroti (12 de maio), Arroio Piraí (20 de junho), onde comandou uma carga de baionetas, e Serrilhada (23 de junho), contra forças rebeldes de cavalaria.

Promovido a major em novembro, assumiu o comando do 2º Batalhão da Reserva e, logo depois, participou da resistência ao Sítio de Bagé (novembro de 1893 a janeiro de 1894), sendo ferido no peito.

Em reconhecimento, o Coronel Carlos Teles propôs que recebesse as honras de coronel do Exército — que Massot recusou por humildade, aceitando apenas, mais tarde, as de tenente- coronel, por decreto de Floriano Peixoto.

Restabelecido, voltou à ação em abril de 1894, integrando a Brigada Teles e participando do Combate da Estação da Quinta, onde impediu a invasão de Rio Grande. Nesse mesmo mês, recebeu as insígnias de Tenente-Coronel e passou a integrar definitivamente

os quadros efetivos da Brigada Militar, sob o comando do Coronel Joaquim Pantaleão Telles de Queiroz.

Em 1895, combateu em Cacimbinhas, Ponche Verde e Dom Pedrito, em perseguição às forças de Aparício Saraiva – seu último combate na Revolução Federalista.

Após a paz firmada em Pelotas, Massot, aos 30 anos, solicitou demissão para retornar à vida civil. O pedido foi indeferido por Júlio de Castilhos, que o chamou pessoalmente ao Palácio e pediu que permanecesse em serviço ativo. Massot aceitou e continuou servindo.

Em 1915, foi designado Comandante Interino da Brigada Militar, sendo efetivado em 1917 como Coronel Comandante- Geral – o primeiro oriundo das fileiras da própria corporação, e não do Exército.

O modernizador e educador da Brigada Militar

 A partir daí iniciou-se o período de ouro da Brigada Militar, com avanços administrativos, técnicos, táticos e culturais sob sua liderança.

Massot reformou a estrutura da corporação, ampliando o ensino e a formação técnica:

  • Instituiu o Curso de Formação de Oficiais e o Curso de Ensino Complementar, embriões da atual Academia de Polícia Militar;
  • Criou a Escola de Ginástica, Esgrima e Equitação, inspirada nos métodos franceses;
  • Fundou a Escola de Aviação e a Escolta Presidencial, e criou cursos de enfermeiros e padioleiros;
  • Organizou o Estado-Maior da Brigada e revisou regulamentos e manuais, modernizando o ensino militar;
  • Reestruturou o efetivo, criou uniformes padronizados, construiu e reformou quartéis e batalhões;
  • Incentivou o intercâmbio técnico internacional, recebendo em 1923 a Missão Militar Francesa, sob o General Gamelin.

Massot foi um modernizador sereno, que transformou a Brigada sem quebrar suas tradições. Creditava que a força da Brigada estava no conhecimento, na disciplina e na cultura – virtudes que, em suas palavras, “pavimentariam com rara luz o caminho da corporação”.

A origem do Conselho de Apelação

 O legado de Massot ultrapassa a esfera militar.

A Lei Federal de 3 de outubro de 1917, que levou o nº de 3.351, abriu o caminho para as forças estaduais julgarem Oficiais e Praças nos crimes propriamente militares.

Faço aqui uma breve homenagem aos Deputados Federais do RS da 30º legislatura (1915-1917) que são entre outros: Augusto Pestana, João Benicio da Silva, Alvaro Batista, Joaquim Luis Ososrio, Evaristo Teixeira do Amaral Junior, Gomercindo Taborda Ribas e Francisco Antunes Maciel Junior, os quais defenderam a aprovação da lei.

Massot foi um dos principais artífices da criação do Conselho de Apelação da Brigada Militar, depois Corte de Apelação, Tribunal Militar do Estado, e hoje Tribunal de Justiça Militar do Estado. Sob sua inspiração e liderança, nasceu a primeira estrutura jurisdicional da Justiça Militar gaúcha, resultado de sua visão institucional e de sua crença na necessidade de unir disciplina e legalidade. Visionário, desempenhou papel decisivo na consolidação desse Conselho, embrião do que hoje conhecemos como o Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul.

Foi o primeiro presidente do Conselho de Apelação da Brigada Militar, criado pelo Decreto nº 2.347-A, de 28 de maio de 1918,promulgado pelo Governador Gaúcho Antônio Augusto Borges de Medeiros, embrião do atual Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul.

Aproveito a oportunidade para tirar a poeira do tempo do vestuto Decreto 2.347-A e agregar outro importante Instituto criado pela Brigada Militar, pois no seu art. 142, institui a Polícia Judiciária Militar e no seu art. 143 “ao Comandante da Brigada, aos Comandantes de Corpos, Unidades e Chefes de Estabelecimentos Militares, exercendo a policia militar, em nome do Presidente do Estado compete: investigações a apuração de crime e ordenar prisão“.

Louros ao visionário Massot pela criação da polícia judiciária militar.

A primeira sessão foi realizada em 10 de julho de 1918, presidida por ele e composta por quatro juízes militares e um juiz togado civil, foram julgados os Alfares Felipe Alves de Souza, o Capitão Mirandolino Machado, o Sargento-mestre Antônio Ferreira da Costa e o Soldado Recruta Angelo Zanetini.

Sob sua direção, a Corte passou a:

  • Julgar recursos e revisões disciplinares de oficiais e praças, consolidando o controle jurisdicional dentro da legalidade;
  • Fixar       precedentes           e      práticas         processuais,           garantindo isonomia e coerência nas decisões;
  • Registrar e publicar seus julgados, criando o primeiro acervo jurisprudencial da Justiça Militar Estadual;
  • Definir princípios de hierarquia, disciplina e devido processo, que inspirariam as legislações especiais e as futuras Justiças Militares do país.

Massot também rubricou pessoalmente todas as páginas do primeiro livro de atas da Corte, garantindo publicidade e autenticidade aos atos.

Sob sua presidência, a Justiça Militar já aplicava o instituto do impedimento de magistrado, demonstrando ética e respeito às garantias processuais, Amadeu Massot Oficial da Brigada Militar irmão de Massot sempre levantava seu impedimento quando Massot presidia as sessões de julgamento. Como resgate histórico Amadeu Massot por um período  breve de tempo comandou a Polícia Militar de Santa Catarina.

Ainda a historia fala o filho de Massot Eurico Massot, advogado, há época com escritorio na Rua da Praia, em várias oportunidades foi secretário de plenário redigindo inumeras Atas de Julgamento.

Durante a Revolução de 1923, suspendeu temporariamente as sessões do Conselho, mas manteve a integridade da instituição e, ao lado das forças legalistas de Borges de Medeiros, foi o grande estrategista militar que garantiu a estabilidade da Brigada e da própria Justiça Militar.

Massot compreendia que a força pública precisava também de um freio jurídico.

Acreditava que a disciplina só se sustenta com justiça, e que o poder de comando deve caminhar ao lado da legalidade – uma visão rara e avançada para o início do século XX.

II.  A Brigada Militar e sua importância histórica

A Brigada Militar é, há mais de um século, símbolo da identidade e da segurança do povo gaúcho.

Nascida em tempos de instabilidade, consolidou-se como força do Estado, guardiã da ordem e da lei. Muito além de um corpo armado, é uma instituição de valores: lealdade, disciplina, coragem e serviço público. Esteve presente em guerras, revoluções, operações de paz e na vida cotidiana de todos nós. Massot ajudou a moldar essa alma coletiva. Entendeu que a grandeza da Brigada não estava apenas em sua capacidade de combate, mas em sua capacidade de formar cidadãos e construir instituições.

Sob seu comando, a Brigada tornou-se escola de civismo, disciplina e cidadania – valores que ainda hoje sustentam o respeito da sociedade gaúcha por sua força policial.

III.  A memória em tempos de revolução da comunicação A memória em tempos de revolução da comunicação

Vivemos uma era tecnológica. Uma era de revolução na comunicação, em que tudo se torna visível, imediato e, muitas vezes, fugaz. As notícias surgem e desaparecem em segundos. As relações se constroem e se desfazem com a mesma velocidade. Tudo é rápido, dinâmico, superficial.

Vivemos tempos de instabilidade e de excessos. Egos aflorados, disputas silenciosas, métricas e metas substituindo, por vezes, o sentido e a missão. O ritmo acelerado da comunicação e das redes transforma o diálogo em disputa, a troca em exposição, e a reflexão em urgência.

O risco é perdermos a continuidade — o fio que une passado, presente e futuro. Por isso, resgatar a memória é   essencial. Não para viver do passado, mas para dar profundidade ao presente e direção ao futuro. A memória ancora. Conserva valores. Dá sentido às instituições. Mas lembrar não basta: é preciso transformar lembrança em aprendizado. O desafio do nosso tempo é conciliar tradição e inovação, permanência e mudança — sem perder a essência.

E é justamente aí que a figura de Massot se impõe. Ele viveu tempos de transição, de instabilidade, de disputas. Mas nunca perdeu o centro. Modernizou a Brigada sem trair seus fundamentos. Criou uma Justiça Militar que equilibrava comando e legalidade. Soube harmonizar autoridade e diálogo, convicção e prudência.

Foi contemporâneo do seu tempo — e, ao mesmo tempo, visionário do nosso. Sua vida ensina que memória e inovação não se opõem. A memória dá raízes.

A inovação dá asas. Juntas, garantem permanência, equilíbrio e evolução.

IV – ENCERRAMENTO

Este Ato Solene de Homenagem é um gesto de gratidão.

À família Massot, que mantém viva essa herança. À Brigada Militar, instituição centenária que segue servindo o Estado com honra. Aos irmãos Brigadianos, aos colegas e servidores da Justiça Militar, que compreendem que lembrar é também projetar o futuro.

Ao chegarmos a este momento de homenagem, é inevitável reconhecer que a história de Massot se confunde com a própria história desta Corte e também da Brigada Militar. Sua trajetória reafirma a força das instituições, a dignidade da farda e da toga, e o dever de cada geração em preservar e aperfeiçoar o legado recebido. Mais do que um tributo histórico, este encontro carrega também um significado simbólico.

Vivemos tempos de transformação e, às vezes, de desencontro. Mas é justamente nessas horas que o exemplo de Massot se torna mais atual: ele foi um agregador, um líder que soube reunir forças distintas em torno de um propósito comum.

Com serenidade e firmeza, colocava o dever acima do ego, a missão acima das diferenças, o coletivo acima do individual. Que este momento sirva, portanto, como ponto de inflexão –um reencontro da instituição consigo mesma.

Que dele renasça o espírito de cooperação, de respeito e de grandeza que sempre marcou esta Justiça Militar.

A união de esforços e de propósitos é o que nos permitirá enfrentar os desafios que se impõem de fora — desafios que, por vezes, colocam em risco a própria existência da instituição, testando sua coesão e sua razão de ser.

Massot nos ensinou que nenhuma instituição sobrevive dividida, e que a verdadeira força está na capacidade de resistir unida, fiel à sua missão e aos seus valores.

E deixou, também, uma lição de humildade.

Mesmo tendo sido comandante, educador e presidente de uma Corte, soube reconhecer seus limites, ouvir, aprender e servir com simplicidade.

Recusou honrarias que o colocariam acima dos seus pares – gesto que revela mais do que modéstia: revela grandeza moral. Em tempos em que o brilho muitas vezes se confunde com a essência, o exemplo de Massot nos recorda que a verdadeira liderança nasce da humildade, da escuta e do senso de dever.

A vida de Massot nos recorda que a perenidade das instituições depende de homens e mulheres que servem com integridade e consciência de missão.

E que as instituições permanecem quando seus valores são cultivados por cada geração, com respeito, justiça e propósito.

Que a memória de Afonso Emílio Massot continue a nos inspirar. Que o exemplo de sua vida siga iluminando o caminho da Brigada Militar e da Justiça Militar do Rio Grande do Sul.

E que jamais percamos a capacidade de equilibrar tradição e futuro, firmeza e sensibilidade, memória e transformação.

Muito obrigado.


Des. Mil. Sergio Brum

Vice-Presidente do TJMRS

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