Marco Antônio Moura dos Santos[1]
A Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, não foi uma mudança de mãos, foi uma mudança de regime político, com a deposição do imperador Dom Pedro II, que foi expulso do Brasil e forçado ao exílio na Europa com sua família. Externalizou a ideia de um novo pacto de cidadania, onde o poder público deveria operar em conjunto com o coletivo, a res publica, a “coisa pública”, pregada pelo filósofo romano Cícero[2].
Para ele, a república era a união dos cidadãos guiada pela razão e pela justiça, tendo como finalidade o bem comum. Essa visão filosóficacontinua essencial para compreender os desafios do Brasil contemporâneo.
Mais de um século após a Proclamação, ainda vivemos a tensão entre o ideal republicano e a prática política. O Brasil se apresenta como uma República Federativa Democrática, mas enfrenta a fragmentação do poder, o distanciamento entre representantes e representados e a fragilidade do pacto federativo. Os estados, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, carecem de uma representação política firme junto à União. Essa ausência de voz regional enfraquece o equilíbrio federativo e perpetua desigualdades em investimentos, influência e desenvolvimento.[3]
O Congresso Nacional, que deveria expressar a pluralidade da federação, frequentemente se mostra dominado por interesses concentrados e alianças efêmeras, nem sempre republicanas. Falta coerência programática e sobram disputas de poder. O resultado é um sistema que reproduz o centralismo e afasta o cidadão comum das decisões que o afetam diretamente.
Para Dworkin[4] a legitimidade do Estado repousa na integridade, isto é, na coerência moral entre leis, decisões e princípios de justiça. O Direito, em sua essência, deve ser uma declaração de respeito igual para todos os cidadãos, e não uma arma de dominação. Aplicado ao Brasil, o pensamento de Dworkin revela uma falha estrutural: a distância entre o texto constitucional e sua efetivação prática. A “igualdade formal” proclamada em 1988 ainda não se traduziu em igualdade real de oportunidades, acesso e reconhecimento.
Já Alexy[5] defende que o Direito se concretiza pela ponderação racional de princípios. A verdadeira justiça exige um processo argumentativo equilibrado, capaz de harmonizar liberdade, segurança e dignidade. Entretanto, no Brasil, a racionalidade tem sido substituída pela influência midiática, pelos interesses políticos momentâneos e pelas emoções coletivas que contaminam o debate público. Sem equilíbrio e sem diálogo republicano, o conflito supera a razão e, no final, a república cede espaço ao populismo e à demagogia.
Retomar Cícero é reencontrar o sentido ético e filosófico da república. Para ele, o Estado deve existir “para o bem comum e não para o benefício de poucos”. Essa ideia permanece atual: o Brasil precisa redescobrir sua dimensão moral, em que a virtude pública seja valorizada e a corrupção, tanto moral quanto material, seja reconhecida como uma traição ao ideal republicano. Essa sim é uma afronta ao Estado democrático de direito. Enquanto a política permanecer como palco de vaidades pessoais, e não de serviço público, a república é uma forma incompleta sem substância, um corpo sem alma.
A Proclamação de 1889 abriu o caminho para um novo Brasil, mas não garantiu que a visão republicana florescesse plenamente. Vamos ter orgulho do ideal republicano. Hoje, mais do que nunca, é necessário reafirmar o conceito ético da vida pública: de Cícero deveríamos herdar o ideal do bem comum; de Dworkin, o compromisso com a retidão moral e legal; e de Alexy, pela razão e o equilíbrio. Somente combinando esses três pilares: ética, integridade e racionalidade, poderemos reconstruir uma república viva, na qual o poder sirva à justiça e a justiça sirva ao povo.
[1] Coronel Res Brigada Militar, Especialista em Integração e MERCOSUL(UFRGS)[1]
[2] CÍCERO, Marco Túlio. Da República. São Paulo: Martin Claret, 2005.
[3] https://correiobrigadiano.com.br/a-representacao-exige-mais-do-que-silencio-e-ausencia-ou-nao/
[4] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002 e O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007
[5] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.




