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A segurança pública não pode ser refém de palanques: o debate antifacção e a omissão federal no enfrentamento do crime organizado                                           

Marco Antônio Moura dos Santos[1]

O Brasil voltou a discutir facções criminosas, mas ainda não está discutindo segurança pública.

Embora isso represente um passo importante, falta direção coerente, técnica e institucional. A realidade que se impõe exige reflexão séria: o avanço das organizações criminosas não é apenas um fenômeno policial, mas uma questão social, jurídica, política, filosófica e constitucional profunda.

As facções controlam presídios, ruas, fronteiras e fluxos econômicos, formando, em muitos locais, uma verdadeira estrutura paralela de poder. Esta constatação, que deveria mobilizar políticas de Estado, tem sido tratada de modo politizado, superficial e retórico, exatamente como aponta Dworkin[2]: o Estado perde sua legitimidade quando abandona a integridade e adota decisões não alinhadas a princípios consistentes. A politização do debate antifacção viola, portanto, a integridade do Direito, ao permitir que um problema estrutural seja capturado por agendas de ocasião.

Quando a segurança pública se torna instrumento político, quem ganha são as facções. O debate brasileiro tornou-se espaço de discursos vazios e soluções improvisadas, confirmando a patologia comunicativa descrita por Habermas[3], a esfera pública deixa de deliberar racionalmente e passa a reproduzir agendas estratégicas, impedindo a construção de consensos mínimos.

A omissão do governo federal agrava o cenário. A União deveria liderar a coordenação nacional, mas tem adotado postura errática e fragmentada, violando o dever constitucional de proteção, conforme argumenta Ferrajoli[4]. Para ele, quando o Estado falha em impedir a violência sistemática praticada por grupos armados, viola diretamente sua função garantista.

O debate político evita enfrentar uma questão central: por que o Brasil não discute classificar facções como organizações terroristas? Segundo Alexy[5], decisões envolvendo restrições a direitos fundamentais devem observar a proporcionalidade e não cálculos meramente estratégicos. Essa recusa, muitas vezes motivada por ideologia, receio de desgaste ou temor de repercussões internacionais, não se sustenta juridicamente.

As facções cumprem requisitos objetivos de terrorismo, intimidação coletiva, domínio territorial, ataque ao Estado, de modo que o que falta não são critérios, mas vontade política para ponderar racionalmente meios e fins.  Jeremy Waldron reforça que o Estado de Direito só existe enquanto mantém condições mínimas de ordem e previsibilidade jurídica[6]. Quando facções dominam regiões, presídios e rotas econômicas, produzem um colapso da ordem jurídica, retirando do Estado o monopólio da força. Nesse contexto, classificá-las como grupos terroristas não é radical: é reconhecer juridicamente a realidade.

A situação torna-se ainda mais crítica sob a ótica de Lon Fuller, para quem a legalidade exige coerência normativa, generalidade, publicidade, estabilidade e aplicação efetiva.[7]. No Brasil, entretanto, a Lei Antiterrorismo é subutilizada, o SUSP opera de forma fragmentada, não há diretrizes nacionais claras e a execução penal permite comando externo do crime. Tais falhas representam violação da moral interna do Direito.

Diante disso, as medidas necessárias para enquadrar facções como terrorismo incluem: atualizar a Lei 13.260/2016; promover integração federativa efetiva; criar um Sistema Nacional Antifacção robusto; instituir regime jurídico diferenciado para líderes de facções; e reformar estruturalmente a execução penal com expansão de presídios federais e controle de comunicações.

Essas medidas são compatíveis com os limites constitucionais e princípios democráticos, desde que acompanhadas de controle judicial, proporcionalidade e proteção às garantias individuais.  Para superar as contradições do governo federal, é necessário abandonar improvisos, amadorismo e a lógica de comunicação instantânea das redes sociais. É preciso recuperar a racionalidade deliberativa (Habermas), a integridade normativa (Dworkin) e a proporcionalidade decisória (Alexy). Sem isso, o país continuará refém de soluções simbólicas e ineficazes.

O que está em jogo não é apenas um projeto de lei, é o futuro da segurança pública e do Estado de Direito no Brasil. A escolha entre retórica e responsabilidade é urgente. Para vencer as facções, será necessária seriedade, liderança federal, cooperação federativa, técnica e coragem institucional, além de compromisso pleno com a integridade constitucional. Precisamos de um Governo assentado em pilares firmes e fortes, não sujeitos a ruir sob quaisquer turbulências.


[1] CORONEL QOEM Res Brigada Militar/RS e Especialista em Segurança Pública (PUCRS)

[2] DWORKIN, Ronald. Law’s Empire. Harvard University Press, 1986.

[3] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

[4] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

[5] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008.

[6] WALDRON, Jeremy. The Rule of Law and the Measure of Property. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

[7] FULLER, Lon. The Morality of Law. New Haven: Yale University Press, 1964

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