Marco Antônio Moura dos Santos[1]
Já faz alguns anos que estamos tratando do crime organizado, dos grupos que atuam com estrutura política, empresarial, paramilitar; utilizando-se da corrupção, das ações “terroristas”, dominando territórios, rotas de drogas, controlando ações nas fronteiras e “influenciando” a política local (não apenas em cidades). Nesse cenário apresenta-se a questão: até que ponto o governo federal tem a responsabilidade (o dever), e não apenas a opção, de agir?
A solução para este importante questionamento está em nossa Carta Magna. O artigo 144 da Constituição de 1988 estabelece de forma clara e precisa que a segurança pública é uma função do Estado, incumbida a todos, e realizada com o objetivo de manter a ordem pública e proteger as pessoas e o patrimônio. Esta norma não é uma mera diretriz, é um dever constitucional para todas as partes federadas da Federação Brasileira, incluindo a União.
Mais do que isso, a Constituição determina que à Polícia Federal compete apurar infrações penais contra a ordem política e social, os bens e interesses da União, bem como contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei. Ou seja, não se trata de escolha política: a União deve agir sempre que o crime ultrapassar limites estaduais ou envolver interesses nacionais.
E para estruturar essa integração, a Lei nº 13.675/2018, que criou o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), determinou que a União tem o dever de “coordenar e articular, de forma integrada, a política nacional de segurança pública”. Isso inclui o apoio técnico, financeiro e operacional aos estados, a promoção de operações conjuntas e o compartilhamento de inteligência entre forças policiais.[2] Em outras palavras, a coordenação federal não é uma faculdade, é um dever de Estado.
Por outro lado, é importante lembrar que a União não pode substituir os Estados em suas atribuições. O policiamento ostensivo e a investigação de crimes comuns continuam sob responsabilidade das Polícias Militares e Civis. A atuação federal é de coordenação e integração, não de substituição. Exceções só ocorrem mediante intervenção federal, como a que ocorreu no Rio de Janeiro em 2018, ou sob decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)[3].
Diante da escalada da criminalidade organizada e das conexões que ultrapassam limites estaduais e fronteiras nacionais, torna-se inadiável que o governo federal exerça plenamente essa função constitucional de coordenação. Quando o crime ultrapassa a competência legal e territorial das Unidades da Federação, articulando-se nacionalmente, então a resposta também precisa ser no mesmo nível.
A omissão federal em liderar e integrar esforços não é apenas uma falha política. Ela é o descumprimento de uma obrigação constitucional. E, em um país onde o crime já atua como uma confederação articulada, a segurança pública não pode continuar sendo tratada como uma soma de ilhas autônomas. Mais do que recursos, o Brasil precisa de direção, estratégia e coordenação nacional. É isso que a Constituição exige, e é isso que a sociedade espera! Resultados! Continuamos com narrativas e com falta de ações coordenadas, integradas e de responsabilidades constitucionais devidas. Infelizmente, enquanto isso, o crime organizado continua gerando mortes de civis, domínio de áreas, controle de populações e a morte de integrantes dos órgãos de Segurança Pública que tombam no cumprimento do dever. Não podemos mais ficar criando desculpas, para gerar “soluções mágicas, repaginadas, com objetivos muito claros para quem quer ver, embaçados para quem está envolvido no problema, no contexto político ou ideológico, que permeia a nossa sociedade.”
[1] Coronel QOEM Reserva da Brigada Militar e especialista em Segurança Pública (PUC)
[2] Na prática, isso se traduz em ações como o Programa VIGIA, que atua nas fronteiras; as Forças-Tarefas de Combate ao Crime Organizado (FTCCO) e o Centro de Cooperação Policial Internacional, que mantém interlocução com agências de inteligência. Também é papel da União financiar e integrar sistemas de informação, apoiar investigações complexas e fornecer tecnologia de ponta às polícias estaduais.
[3] Decreto n.º 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, outorgado pelo Presidente da República, com publicação no Diário Oficial da União no mesmo dia.




