Críticas do delegado Fernando Sodré às equipes da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher fizeram aflorar divergências
Rosane de Oliveira GZH
Na sexta-feira, depois da entrevista do chefe de Polícia, Fernando Sodré, ao programa Gaúcha Atualidade, o clima nos bastidores do Palácio Civil era de alívio. A cúpula do governo avaliou que Sodré se saíra bem e que o reforço nas equipes da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), acompanhada de outras medidas pontuais, encaminhava uma solução para a demora no registro das queixas por vítimas da violência doméstica. A sensação de alívio durou pouco.
Sodré saiu da Rádio Gaúcha e foi visitar a Delegacia da Mulher. Lá, cobrou publicamente duas delegadas pelo vazamento da informação de que 307 mulheres que foram à Deam deixaram de finalizar a ocorrência, supostamente pela demora no atendimento. Sodré repetiu o que dissera na entrevista que esse dado “não era qualificado”, mas em tom agressivo, como testemunhou o jornalista de Zero Hora Carlos Rollsing. Assim que o texto de Rollsing foi publicado em GZH, as queixas contra Sodré se multiplicaram nas conversas internas.
Delegados e delegadas reclamaram de “arrogância”, “prepotência”, “assédio moral” e “falta de gestão”. O presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Asdep), Guilherme Wondracek, catalogou as reclamações recebidas naquela tarde e somou-as com as que já estavam no seu caderno.
No sábado, Woncradeck divulgou nota se solidarizando com “as delegadas, delegados e demais servidores das DEAMs, incansáveis e inteiramente dedicados à causa de oferecer acolhida às mulheres vítimas de violência – apesar da reconhecida carência dos meios que o estado lhes disponibiliza para o enfrentamento da demanda de trabalho”.
Na nota, o delegado diz esperar que “o governo do Estado, ao invés de punir e buscar culpados, promova a devida valorização dos profissionais da área, suprindo as necessidades dos órgãos policiais especializados”.
A nota pondera que a explosão de casos de feminicídio no feriadão da Páscoa “apesar de altamente preocupante e lamentável, parece ser absolutamente incidental, nada indicando que represente uma tendência”. E acrescenta: “Porém, não nos parece a melhor solução expor e substituir delegados, ao invés de enfrentar as verdadeiras causas, que são a quantidade insuficiente de delegacias especializadas no atendimento da mulher e de policiais em número adequado para atender à demanda das DEAMs, bem como deficiências na legislação vigente e nos meios disponibilizados para o acolhimento das vítimas potenciais de futuros feminicídios”.
Na esteira da crise, Sodré vem sendo questionado por ter transformado divisões em departamentos, na estrutura da Polícia Civil, sem ter pessoal e recursos em quantidade suficiente, o que desagradou os delegados que perderam poder e levantou dúvidas sobre a eficácia da estratégia.
O governador Eduardo Leite e o secretário da Segurança, Sandro Caron, que todos os meses comemoram os bons resultados na área da segurança pública, terão de pacificar a polícia antes que a crise comece a afetar os resultados. Com viagem marcada para Nova York, onde participará da Brazilian Week, Leite precisará dedicar atenção a um problema doméstico, que não tem como ser resolvido pelo vice.
Como pedir ajuda
Brigada Militar – 190
- Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.
Polícia Civil
- Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
- Em Porto Alegre, a Delegacia da Mulher na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
- As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.
Delegacia Online
- É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.
Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180
- Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.
Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556
- Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).
Centros de Referência de Atendimento à Mulher
- Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.
Ministério Público do Rio Grande do Sul
- O Ministério Público do Rio Grande do Sul atende o cidadão em qualquer uma de suas Promotorias de Justiça pelo Interior, com telefones que podem ser encontrados no site da instituição.
- Neste espaço é possível acessar o atendimento virtual, fazer denúncias e outros tantos procedimentos de atendimento à vítima. Para mais informações acesse: https://www.mprs.mp.br/atendimento/
Confira a íntegra da nota do presidente da Asdep-RS
“NOTA DE APOIO E SOLIDARIEDADE
O governo parece estar mais preocupado com eventuais danos à pretendida candidatura do Sr. Eduardo Leite à Presidência da República do que realmente encontrar soluções para o recente aumento exponencial de crimes de feminicídio no RS, haja vista a forma encontrada para tentar se desvincular do ocorrido: substituir e admoestar policiais dedicados e promover verdadeira “caça às bruxas” em busca de responsáveis por publicizar para a imprensa o número de mulheres que teriam desistido de registrar ocorrências policiais nos últimos meses pela demora do atendimento nas delegacias especializadas, o que se depreende de manifestações do Secretário da Segurança Pública, concretizadas pela vistoria do Chefe de Polícia à 1ª DEAM na última sexta-feira (02/05).
É preciso considerar que o referido aumento nos casos de feminicídio, apesar de altamente preocupante e lamentável, parece ser absolutamente incidental, nada indicando que represente uma tendência. Porém, não nos parece a melhor solução expor e substituir delegados, ao invés de enfrentar as verdadeiras causas, que são a quantidade insuficiente de delegacias especializadas no atendimento da mulher e de policiais em número adequado para atender à demanda das DEAMs, bem como deficiências na legislação vigente e nos meios disponibilizados para o acolhimento das vítimas potenciais de futuros feminicídios.
Desta forma, a ASDEP se solidariza com as delegadas, delegados e demais servidores das DEAMs, incansáveis e inteiramente dedicados à causa de oferecer acolhida às mulheres vítimas de violência – apesar da reconhecida carência dos meios que o estado lhes disponibiliza para o enfrentamento da demanda de trabalho – e espera que o governo do Estado, ao invés de punir e buscar “culpados”, promova a devida valorização dos profissionais da área, suprindo as necessidades dos órgãos policiais especializados.
Porto Alegre, 5 de maio de 2025.
GUILHERME YATES WONDRACEK,
Presidente da ASDEP-RS.”