A expressão “fogo nos racistas” nasceu como grito de protesto contra o racismo estrutural, não necessariamente com sentido literal, mas simbólico, o de “combater”, “resistir” ou “enfrentar” posturas racistas. No entanto, ao ser associada à imagem de uma pessoa específica, sobretudo uma autoridade pública, o gesto ganha outra conotação: deixa de ser um símbolo coletivo de resistência e se transforma em uma mensagem personalizada, que pode ser interpretada como incitação à violência ou ameaça.

Em uma democracia, a liberdade de expressão protege inclusive manifestações duras, críticas e provocativas, proteção essa reconhecida tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto por cortes internacionais de direitos humanos. Contudo, essa proteção não é absoluta. Quando a manifestação ultrapassa a fronteira do debate político e atinge a integridade moral ou física de uma pessoa identificável, pode configurar abuso do direito de expressão e até mesmo crime.
Assim, colar um adesivo com essa frase sobre a foto de uma parlamentar não é um mero ato de crítica política, mas uma personalização da hostilidade, o que a jurisprudência brasileira tende a enquadrar como discurso de ódio ou ato atentatório à honrae à dignidade da pessoa ofendida, especialmente se houver intenção de humilhar ou incitar terceiros à violência simbólica ou real.
Numa sociedade “pautada recentemente pelo ódio aos que pensam diferente”, gestos desse tipo têm um efeito corrosivo: normalizam a violência simbólica e reduzem o espaço do diálogo democrático. Ao invés de combater o racismo (ou qualquer outra forma de injustiça) com argumentos, razão e empatia, reproduz-se a lógica do inimigo, aquela mesma que alimenta o próprio racismo.
A democracia não se sustenta quando o “inimigo político” passa a ser visto como alguém que merece ser destruído, para lembrar de Carl Schmitt. Nesse ponto, o gesto é menos um ato de resistência e mais um sintoma da degradação do discurso público.
Portanto, colar um adesivo com a frase “fogo nos racistas” sobre a imagem de um parlamentar que preside o Legislativo não é uma crítica política legítima, mas sim um ato simbólico de hostilidade pessoal, potencialmente violento e antidemocrático.
Ele traduz, paradoxalmente, a mesma intolerância que pretende denunciar, reforçando a lógica do ódio e minando as pontes do diálogo civilizado, sem o qual não há justiça nem democracia.





