O “jargão do povo” e a “avaliação técnica” do Ministro da Justiça

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Marco Antônio Moura dos Santos[1]

Em semanas próximas passadas, o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, trouxe para debate público a afirmação de que a “polícia executa prisões de forma equivocada e, por isso, o Judiciário é obrigado a soltar os presos”; que “É um jargão que foi adotado pela população, que a polícia prende e o Judiciário solta.[*]

Essa posição do responsável pelo planejamento estratégico do Governo Federal, em estabelecer a Política Nacional de Segurança Pública, ao ser questionado e criticado por suas posições e as medidas apresentadas em particular com a Proposta de Emenda Constitucional da Segurança Pública, 03/2025. 

Parece irreal entender que o Ministro aponte que as atividades policiais são realizadas de forma equivocadas, possivelmente levantando a ideia de que as ações policiais possam ser irregulares, indevidas, ilegais…; e, por isso, não tenham a guarida jurídica devida.

Com certeza, para poder contestar o imaginário popular, o senso comum, o conhecimento vulgar, o “jargão popular”, o “eminente jurista, digno Ministro do executivo, ex-integrante do Supremo Tribunal Federal”, deveria apontar ou quem sabe apresentar dados, informações, que consubstanciem a análise e interpretação com base cientifica.  Mas até o momento não foi trazido a luz da sociedade conhecimento científico produzido a partir da análise das distintas prisões efetuadas pelas polícias em todo o país, nas mais diversas instancias inclusive a federal, que é de sua responsabilidade direta.  Não há justificativas efetivas ou comprovações de que essas prisões foram ilegais.

Poderia o Ministro ter utilizado, por exemplo, e avaliado as prisões de 2.201 criminosos realizadas na 11ª etapa da “Operação Força Total”, realizadas pelos mais de 100 mil policiais militares nos 27 Estados e Distrito Federal, nos dias 23 e 24 de janeiro de 2025. Em quantas delas houve irregularidade ou ilegalidade? E as prisões efetivadas pelas polícias civis e federal, em sua maior parte são ilegais? Ou em alguma parte?

Logicamente que não, o “jargão do Ministro” é uma grande irresponsabilidade, pois coloca nas polícias a “culpa” pela concepção de impunidade que fica cristalizada para toda a sociedade quando as polícias prendem e o judiciário libera.

Ele poderia ser minimamente técnico, profissional, demonstrando conhecimento e qualificação dizendo que as solturas pelo poder judiciário não representam impunidade, mas são decorrentes do cumprimento da lei; ou seja, que o maior problema está no sistema penal, nas leis que são flexíveis, brandas, em um primeiro momento e até quem sabe, nas dificuldades e falta de estrutura em determinadas investigações, ou ainda, quem sabe, na superlotação carcerária.

Mas é mais fácil, mesmo sendo mais leviano, acusar as polícias de ineficientes e desqualificadas.

A avaliação do Ministro deveria avaliar, entre outros casos, se a liberação de criminosos presos não seria seletiva, ou seja, apenas alguns criminosos são liberados, enquanto outros não?  Por quais motivos alguns criminosos, traficantes de armas, de drogas, envolvidos na criminalidade organizada, identificados com facções ou quadrilhas são liberados, enquanto outros permanecem presos por muitos dias, meses, anos, sem ao menos serem processados e julgados!?  Não pelas polícias, mas pelo poder judiciário. 

O Ministro poderia utilizar os diversos casos de presos libertados de forma considerada “indevida ou no mínimo discutível” a partir das audiências de custódia, principalmente nos casos em que estão envolvidos suspeitos de crimes graves ou reincidentes.[2]​  

A partir desses casos teria como chegar a noções claras, como também demonstram os dados apresentados no estudo do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)[3], que analisou 2,7 mil audiências em 13 cidades de nove estados brasileiros, revelou que apenas 2% das prisões foram relaxadas devido a ilegalidades explícitas no flagrante, como ausência de mandado ou falhas processuais. ​

Ou quem sabe se valer de suas próprias análises expressas em artigo sobre o tema da audiência de custódia e o direito de defesa, publicado em 2015[4].

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[5] indicam que, em 10 anos de audiências de custódia, foram registrados mais de 130 mil relatos de maus-tratos ou tortura. No entanto, apenas uma pequena fração desses casos resultou em investigação formal, o que sugere que nem todos os relatos de violência policial levam ao reconhecimento da ilegalidade da prisão.

Portanto, embora existam casos de prisões ilegais identificadas e relaxadas nas audiências de custódia, eles representam uma minoria. A maioria das decisões envolve a manutenção da prisão preventiva ou a concessão de liberdade com medidas cautelares.​

Temos pessoas acusados por crimes violentos letais intencionais que estão sendo presos repetidas vezes e liberados repetidas vezes; enquanto outros, por exemplo, por crimes contra o estado democrático de direito, foram presos, com ordem judiciária, mas de discutível legalidade, não foram liberados.  Seria importante visualizar por quais motivos isso ocorreu.  Será que a responsabilidade é da polícia.

Mas o Ministro antes de valorizar e considerar os Organismos Policiais, considera que eles são os grandes responsáveis pela impunidade, pelo caos na segurança.

Ele deveria, antes de fazer narrativas e discursos impróprios para um agente político com a sua responsabilidade, ter avaliado como e por quais motivos o Poder Judiciário com sua ineficiência, falta de comprometimento e compromisso com o social; bem como pela inoperância, ineficácia e falta de gestão pública do seu Ministério favorecem a ampliação da criminalidade e violência no país.


[*] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/a-policia-prende-mal-e-o-judiciario-e-obrigado-a-soltar-diz-lewandowski/.


[1] Coronel QOEM Reserva da Brigada Militar

[2] https://jc.uol.com.br/colunas/seguranca/2024/05/16/policia-prende-justica-solta-entenda-a-polemica-das-audiencias-de-custodia.html?utm_source=chatgpt.com

https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/seguranca/secretarios-de-seguranca-publica-pedem-restricoes-na-

analise-de-prisoes-em-audiencias-de-custodia-1.3179969?utm_source=chatgpt.com

[3] Publicado em agosto de 2019, acessado em 12 de abril de 2025,

in https://iddd.org.br/wp-content/uploads/2020/09/ofimdaliberdade_completo-final.pdf

[4] https://www.stf.jus.br/arquivo/biblioteca/PastasMinistros/RicardoLewandowski/ArtigosJornais/1071754.pdf

[5] https://www.cnj.jus.br/audiencias-de-custodia-completam-10-anos-com-dados-ineditos/. Acessado em 12 de abril de 2025

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