Trabalhadores da segurança pública vêm de várias partes do Brasil e carregam a riqueza cultural de suas regiões
PorCristiano Abreu Correio do Povo
Oxe! Trem! Eita! Meu! Tchê! Estas são algumas expressões que refletem a riqueza cultural e linguística do Brasil e que representam a transformação da identidade das forças de segurança do Rio Grande do Sul. Reconhecidas no país por suas estruturas e trabalhos qualificados, Polícia Civil e Brigada Militar atraem cada vez mais homens e mulheres de outros estados em busca de oportunidade de ascensão na carreira.
Nas últimas décadas, as delegacias gaúchas, assim como os batalhões, ganharam sotaques e dialetos de todas as regiões brasileiras. Nas ruas ou em locais de trabalho, a mostra da diversidade está presente nas conversas cotidianas. Do “R” mais carregado, típico do Paraná e do interior do Rio Grande do Sul, ao “S” chiado que se assemelha ao som de “X”, tal como falam os nascidos no Rio de Janeiro, os exemplos se multiplicam a cada novo concurso.
Na 4ª Delegacia de Investigação do Narcotráfico (4ª DIN) do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc), em Porto Alegre, a fala tranquila da delegada Ana Flávia de Melo Leite, 37 anos, evidencia a origem mineira. Há cinco anos no Rio Grande do Sul, a policial volta e meia solta um “uai”, para a alegria dos colegas. “Uai é todo dia, eu não posso abrir a boca que eles caçoam”, conta, revelando que se diverte com as situações. “Outra que uso muito é: ‘Não tem base não!’ (significa que algo é absurdo, inacreditável, sem sentido ou que não se justifica). Todo mundo gosta”, garante.
Entre momentos difíceis inerentes ao trabalho na repressão ao tráfico de entorpecentes, a miscigenação de culturas é uma importante válvula de escape, considera a policial.
Delegada mineira Ana Flávia já atua em território gaúcho há cinco anos | Foto: Mauro Schaefer
Nesse intercâmbio entre Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a delegada entende que absorveu muito do jeito gaúcho de ser, mas sem esquecer a origem. “Eu já solto um ‘bah’!. Trouxe minha mãe e minha irmã para morar aqui, mas meu estado está no coração”, ressalta Ana Flávia, que ameniza a saudade por meio dos pratos típicos da terra natal. “Sinto muita falta do feijão carioquinha, aqui (no Rio Grande do Sul) tem mais do preto. E como a mãe veio para cá, sempre tem pão de queijo. Mas tem que ser o dela, e com queijo de Minas, para ser autêntico”, afirma, indicando que não abre mão da receita original.
A integração gerada pela diversidade linguística também é exaltada pelo titular da 3ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (3ª DPHPP) de Porto Alegre, Thiago Roberto de Moraes Rego Zaidan, 35 anos. Ele nasceu em Recife (PE) e está no Rio Grande do Sul desde 2020, tempo suficiente, garante, para entender as coisas do Sul, mas também incrementar o vocabulário dos colegas com termos nordestinos. “Tem o ‘pirangueiro’, aquele que é muquirana, não larga o osso. E também o que ‘estila com a brincadeira’, o cabra que brinca com todos, mas não gosta que brinquem com ele”, descreve.
“O gaúcho gosta de explicar tudo muito bem, é detalhista. Esta união de culturas na delegacia me ajudou a entender o comportamento, o jeito de ser do Sul, não só para o dia a dia, mas também para que eu desempenhasse bem o meu trabalho”.
Delegado Thiago é pernambucano e está há cinco anos no Estado | Foto: Mauro Schaefer
Entre as preferências pelos costumes locais, Zaidan destaca o gosto pelo bom assado. “Gosto do churrasco, claro. Aqui (no RS) descobri que existem cortes de costela que jamais imaginaria. Lá (PE), a costela é só uma”, completa.
Histórias que se cruzam
A procura de candidatos de fora do Estado cresce também na Brigada Militar. E a cada novo concurso, aumenta o intercâmbio de costumes e dialetos. O capitão Lucas Destro Nunes Fonseca, 33 anos, ingressou na BM em 2021. Natural de Presidente Prudente, interior de São Paulo, atualmente, está lotado no Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), em Porto Alegre. Segundo ele, misturar os dialetos foi essencial para a adaptação no Sul.
“É fundamental para meu trabalho, ainda mais na rua, com a população. Uma expressão que gosto bastante é ‘prende o grito’. Quando cheguei, pensava: pera aí, como vou chamar alguém se prender o grito?”, brinca. “São Paulo não tem tradições tão definidas. Incorporei muitas coisas, acho bonito esse apego dos gaúchos à cultura local, aqui aprendi o hino do RS em uma semana, o de SP não sei até hoje”, revela.
“E sobre os costumes, pela proximidade com o Paraná, eu tomava tererê em São Paulo, então foi fácil gostar do chimarrão. Não preciso nem dizer nada sobre o churrasco. Aliás, no começo achava um absurdo (expressão comum entre os paulistas) que todo lugar aqui tem churrasqueira, em SP só apartamento de alto padrão tem”, comparou.
Mesmo afeito às coisas daqui, o capitão garante que trouxe, além das gírias, o gosto pelas cores do São Paulo Futebol Clube. A paixão é tanta que a esposa, Izabella, 33 anos, está ainda no quarto mês de gestação da primeira filha do casal, mas antes mesmo de escolher o nome – Antônia – o time de futebol já estava definido. “Vai ser uma gauchinha, mas são-paulina, pô!.”
Quando o alagoano Cleisson Cristiano Moura, 27 anos, chegou ao RS, em 2022, junto de muitos temperos do Nordeste na bagagem, trouxe a vocação. Hoje é soldado da Brigada e feliz por ter atingido o objetivo. “Escolhi a Brigada por ser uma das melhores polícias militares do Brasil e fui muito bem acolhido. E sobre o Rio Grande, sempre preferi o inverno ao calor”, assegura o alagoano que atualmente é um dos responsáveis pela comunicação social do 1º Batalhão de Polícia Militar, em Porto Alegre.
“Eu vim preparado para os impactos. O sotaque do Nordeste é forte e tudo aqui é diferente”, comenta. “As culturas vão se cruzando. Eu tô que já troco o ‘ôxe’ pelo ‘bah’! E de vez em quando sai até um ‘tchê’! Quando visito minha família, pegam no meu pé que tô virando gaúcho”, diverte-se.
O soldado Cleisson jura estar por dentro de todas as gírias e expressões gaúchas, mas admite que ainda não acostumou com a comida. “À noite aqui é só lanche, tem xis por tudo. No começo, sentia muita falta de um prato feito (PF)”.
Até hoje ele traz temperos e farinha de milho quando visita os parentes em Arapiraca. “Lá tem o tempero baiano – mistura de cominho, coentro e pimenta-do-reino, tem o flocão de milho – e o cuscuz. O daqui é bom, mas o de lá é melhor. E lá também é mais barato, quase tudo, então trago mais comida do que qualquer outra coisa na mala”, compara.
Além de não ter dúvidas sobre qual farinha faz o melhor cuscuz, Moura também não abre mão de torcer para o Asa de Arapiraca. Contudo, diz ter simpatizado com o Internacional pelo fato de trabalhar com frequência no policiamento de jogos no Beira-Rio.
Estrutura motiva candidatos
O delegado Thiago Roberto Zaidan era oficial de justiça em Recife. Deixou a função para ingressar na Polícia Civil Gaúcha. Ele cita remuneração e questões institucionais para justificar a escolha. “É uma polícia forte, bem estruturada. A qualidade das investigações é reconhecida e o valor do salário é bom na comparação com outros estados”, considera.
Já a delegada Ana Flávia Leite destaca a possibilidade de crescimento na carreira, as atualizações das técnicas de investigação e a integração entre os colegas como razões. “Eu sempre quis ser policial e aqui encontrei as condições que desejava”, resume.
A vontade de fazer parte da Brigada Militar envolve motivações semelhantes. Conforme o Soldado Cleisson, passam pela estabilidade financeira e pelo respeito obtido pela corporação. “Tranquei a faculdade de Engenharia Civil sem pensar. Já estava no 9º período”, detalha.
“Seguramente é uma das três melhores do Brasil. O Rio Grande do Sul foi pioneiro em colocar viaturas semiblindadas. E ainda tem o plano de carreira, o salário e a ‘infra’ do Estado favorece também”, explica o capitão Destro.
Amor pelo Rio Grande
O delegado Fabrício Lima Ferreira, 39 anos, nasceu em Itabuna, no sul da Bahia. Por conta do trabalho do pai, que era bancário, ainda criança deixou a cidade natal, distante 426 quilômetros da capital, Salvador, e conheceu o Brasil. Viveu em Alagoas, no Paraná e em São Paulo antes de realizar o sonho de ingressar na Polícia Civil do Espírito Santo, onde foi escrivão durante oito anos. Na passagem pelo Sudeste, conheceu a capixaba Laysa Ferreira, advogada, que atualmente tem 35 anos.
Casado e já policial, queria ser delegado, assim, em 2022, partiu para o RS. Partiu com a esposa e as malas e aqui encontrou a cuia, literalmente, a Polícia Civil e um Estado para chamar de lar. “A primeira delegacia que assumi foi a de Dom Pedrito (no extremo-sul). Cheguei em agosto de 22 e a temperatura era 0ºC”, conta.
Além do frio jamais experimentado, a cidade proporcionou aprendizados. “Por ser na fronteira com o Uruguai, alguns crimes tinham natureza peculiar, como o abigeato (furto de gado ou outros animais de produção em áreas rurais).”
Recém-chegado e ainda pouco acostumado com o modo de falar característico dos gaúchos, Ferreira viveu algumas situações engraçadas. “A melhor foi quando um agente ligou dizendo que tinha prendido um ‘guri’. Eu já ia chamar o Conselho Tutelar quando ele me disse que se tratava de um rapaz com 19 anos”, revela, às gargalhadas.
Ferreira passou pela delegacia de São Gabriel antes de assumir a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Canoas, na Região Metropolitana, em setembro do ano passado. Prestes a completar três anos no RS, o delegado garante ter dominado o “gauchês”. “O vocabulário vai mudando. Deixei o ‘oxe’ (comum no Nordeste) e assumi o ‘capaz’ e o ‘bah’ também”, admite.
Costumes como chimarrão, churrasco e arroz carreteiro foram adotados pelo policial civil e pela esposa. Mas há 11 meses o casal ganhou outra importante razão para levar o Rio Grande do Sul no coração: foi quando nasceu a primeira filha deles, a Luísa. “Frequentamos CTG, é lindo de ver como valorizam a tradição aqui. O Rio Grande do Sul é nossa casa”, completa.
A impressão da família Ferreira é compartilhada por outros colegas de Polícia, como o delegado Thiago Roberto Zaidan. O policial revela que recentemente foi chamado para assumir como delegado em Pernambuco, mas não aceitou. “Tive a oportunidade, mas não quis, eu gosto da Polícia Civil, do Rio Grande do Sul e quero seguir vivendo aqui. Voltar, só quando me aposentar, aí vou comprar uma casa na praia para passar férias”, planeja.
Motivos de destaques
Atualmente, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul conta com 326 agentes e 68 delegados nascidos em outros estados brasileiros, entre os seus mais de 5 mil servidores. Para o chefe da Polícia Civil, Heraldo Chaves Guerreiro, a estrutura de trabalho oferecida pela corporação resulta em bons resultados no combate à criminalidade e a coloca entre as melhores do país.
“A presença de representantes dos outros Estados contribui de fato para uma nova identidade da Polícia gaúcha. As pessoas vêm, são bem recebidas, se adaptam e nos permitem a troca de experiências, e partilham suas culturas”, pontua o chefe da PC.
Gaúcho e com mais de quatro décadas de carreira, Guerreiro cita o orgulho dele e dos colegas em fazer parte da Polícia Civil Gaúcha.
“Comecei em 1982 como investigador e delegado em diferentes delegacias do RS. Nestes anos, presenciei uma evolução da estrutura que resulta em qualificação do trabalho, comprometimento dos nossos policiais e a imediata segurança da nossa população, como os indicadores refletem.”
O que se fala pelo Brasil
PALAVRAS E EXPRESSÕES NORDESTINAS:
Oxente: interjeição comum em todo o Nordeste, usada para expressar surpresa, espanto, indignação ou dúvida.
Arretado: adjetivo que significa algo muito bom, legal, excelente. Pode ser usado para descrever pessoas, coisas ou situações.
Mangar: ato de zombar, ridicularizar ou fazer graça de alguém ou de algo.
Cabra: termo informal para homem, frequentemente usado como sinônimo de “cara” ou “rapaz”.
Peba/Paia: expressões usadas para descrever algo ruim, de má qualidade ou mal feito.
Aperreado: adjetivo que descreve alguém que está irritado, estressado, ansioso ou preocupado.
Brocado: termo utilizado no Maranhão para descrever alguém com muita fome.
Égua: expressão utilizada no Maranhão para demonstrar surpresa ou espanto.
Triscar: termo utilizado no Maranhão para cutucar alguém ou algo.
Vai pra caixa, prego: expressão utilizada no Maranhão para mandar alguém ir embora ou para um lugar distante.
PALAVRAS E EXPRESSÕES DO ‘MINEIRÊS’:
Uai: uma interjeição que pode expressar surpresa, admiração, dúvida ou indignação, dependendo do contexto e da entonação.
Sô: uma forma abreviada de “senhor”, mas usada de maneira informal e carinhosa para se dirigir a alguém.
Trem: uma palavra versátil que pode substituir qualquer substantivo, objeto ou ideia, dependendo do contexto.
Bão: uma forma abreviada de “bom”, usada para expressar algo de boa qualidade.
Fragar: significa entender, sacar, perceber algo.
Paia: algo ruim, sem graça, sem valor.
Breguete: outra palavra que pode substituir qualquer substantivo, assim como “trem”.
Cata-jeca: um ônibus antigo que faz várias paradas em pequenas localidades do interior de Minas.
Nigucim: uma forma abreviada de “negocinho”, usada para se referir a algo pequeno.
Tiquim: uma forma abreviada de “pouquinho”.
PALAVRAS E EXPRESSÕES DO ‘PAULISTÊS’:
Meu: gíria muito usada para chamar alguém, ou no começo e no final de qualquer frase. É o clássico do paulistano!
Mano: funciona da mesma forma que o “meu”. Às vezes, se torna quase uma vírgula de tanto que se usa.
Mina: o feminino de “mano” é, também, uma gíria paulistana muito usada para se referir as namoradas.
Tá me tirando?: sinônimo para a expressão “tá de sacanagem?”. Usada para tirar satisfação de atitudes de que não se gosta.
Breja: cerveja.
Pistola/Pistolou: alguém que perde a paciência, ato de perder a paciência com algo ou alguém.
Manjar: expressão paulistana para entender ou saber.
Miado: algo que está ruim.
Rolê: é o mesmo que uma festa, passeio, saída. Mas é daquelas gírias de São Paulo com mais de um significado, pois pode ser usada para algo que dá muito trabalho.
PALAVRAS E EXPRESSÕES DO ‘CARIOQUÊS’:
Mermão: contração da expressão “meu irmão”, “mermão” é uma das gírias cariocas mais usadas para se referir a alguém com quem se está conversando. É usada como sinônimo de cara, parceiro, etc.
Caô: se refere a uma mentira contada em tom de brincadeira, para enganar ou conquistar alguém.
Bolado: em vez de ficarem irritados, com raiva ou chateados com alguma coisa, os cariocas ficam “bolados”.
Tirar onda: um dos sentidos é alguém que faz algo para se mostrar, chamar a atenção, com de superioridade. Outro sentido é o de tirar sarro.
Sinistro: pode ter um sentido tanto positivo quanto negativo.
Brotar: aparecer, ir ou chegar a algum lugar.
Amassar: comer muito.
Papo reto: sincero ou direto. É usado para reforçar a seriedade do que está sendo dito.
Parada: muito versátil no vocabulário carioca, usada para se referir a qualquer “coisa”, “situação” ou “evento”; pode substituir várias palavras, dependendo do contexto, funcionando como um termo genérico.
PALAVRAS E EXPRESSÕES DA REGIÃO SUL:
Guri: menino
Guria: menina
Mosquear/moscão: distrair, distraído
Guaipeca: cão pequeno, sem raça definida, vira-lata.
Matungo: cavalo velho, ruim, sem préstimo
Guasca: homem rústico, valente, forte, guapo, grosseiro, rude.
Guaiaca: cinto com bolsos feito de couro usado na pilcha.
Marmanjo: homem adulto
Pior: expressão usada para confirmar algo, ‘ah, é verdade’
Sinaleiro(a): semáforo
Rachar o bico: dar risada
Tongo véio: pessoa ingênua ou brincalhona
Ratiar: reclamar, errar
Podar: ultrapassar
Jaguara: sem-vergonha
Tá loqueando: confundindo as coisas
Queimar um osso: assar uma carne
Picar a mula: ir embora




