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Quando o cavalo aponta o caminho da justiça

Reflexões a partir de Tolstói sobre virtudes que ainda faltam a muitos juízes.

Terminei de ler um conto sobre o Juiz Justo, de Tolstói, e fiquei com aquela sensação de que, apesar de o tempo passar, certas perguntas continuam as mesmas. O escritor russo nos convida a refletir sobre o que significa, afinal, fazer justiça. Não se trata apenas de aplicar a lei como quem segue uma fórmula rígida, mas de enxergar o ser humano por trás de cada conflito. O juiz da história não decide pela aparência, pelo título ou pela versão mais conveniente. Tolstói nos lembra que julgar exige coragem e, acima de tudo, humildade: o poder de julgar não transforma ninguém em dono da verdade.

No conto, a trama se inicia com uma disputa pela posse de um cavalo. Um homem afirma que o animal lhe pertence e que o outro o roubou. O acusado, por sua vez, diz que recebeu o cavalo voluntariamente, como pagamento de uma dívida. As duas versões parecem plausíveis, e o caso poderia facilmente pender a favor do mais rico ou influente. Mas o juiz, atento aos detalhes que não cabem nos papéis, observa gestos, reações e, com uma simples prova prática, ver como o animal se comporta diante de cada um, revela a verdade. O cavalo corre ao encontro de seu verdadeiro dono, derrubando a mentira com a força dos fatos. Tolstói mostra que a justiça pode ser simples quando se tem sensibilidade para enxergar o essencial.

Enquanto lia, pensei inevitavelmente no cenário brasileiro atual. Vivemos tempos em que decisões judiciais se tornam manchetes e enfrentam torcidas organizadas nas redes sociais. Há julgamentos que dividem o país, e não faltam certezas antecipadas, formadas antes mesmo de o processo começar. Nesse ambiente de pressão, volta a ser urgente revisitar a justiça que Tolstói defendia: imparcial, serena e resistente às paixões externas.

Nos dias recentes, o Brasil foi sacudido por investigações gravíssimas que dizem respeito justamente à integridade do julgamento, ou à Injustiça. No Estado do Mato Grosso do Sul, a Polícia Federal investigou um esquema de possível venda de sentenças no Tribunal de Justiça estadual, no qual cinco desembargadores foram afastados por suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, por favorecer uma das partes no processo, conforme nos alerta Tolstói em seu Conto. A investigação aponta que decisões teriam sido manipuladas, com advogados e empresários atuando para negociar resultados favoráveis, em afronta direta ao princípio de imparcialidade. Esse caso serve como lembrete doloroso de que, quando a justiça falha internamente, a sociedade perde confiança, e a simples aplicação da lei não basta se os valores que a sustentam são corroídos.

O Juiz Justo de Tolstói tinha algo raro: a capacidade de ouvir de verdade. Duvidava do que parecia óbvio, fazia perguntas incômodas, buscava o que estava escondido. Quando um julgador se acomoda à superfície, o risco é condenar inocentes ou absolver culpados por conveniência. A justiça não pode ser guiada por clamor público nem virar espetáculo.

Outro ponto que o conto valoriza é a igualdade. No Conto, pouco importa se alguém é humilde ou poderoso: todos são tratados do mesmo modo. Essa é uma promessa que nossa democracia ainda se esforça para cumprir. No Brasil, casos recentes mostram que a lei às vezes chega com pesos diferentes e isso mina a confiança da sociedade nas instituições.

Tolstói também alerta contra a vaidade judicial. Há quem transforme o ato de julgar em palco de protagonismo, com decisões que parecem discursos. O juiz justo, ao contrário, age com discrição, consciente de que o foco deve permanecer em quem busca justiça, não em quem a entrega.

Ao final, a mensagem que fica é simples e profunda: a justiça verdadeira depende menos de normas sofisticadas do que de virtudes humanas. Honestidade intelectual, prudência, empatia, coragem moral e estudo constante. Essas qualidades são antigas, mas nunca foram tão necessárias. Se Tolstói observasse o Brasil de hoje, talvez repetisse sua lição: não basta ter tribunais fortes, é preciso ter julgadores verdadeiramente justos.

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