“Tu não é mais soldado, tu é chefe da tropa”: líderes de facções fizeram treinamento com lideranças para evitar guerra em São Leopoldo

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Prática foi descoberta pela Polícia Civil durante investigações que resultaram na Operação Liberdade, realizada nesta sexta-feira (14)

Vinicius Coimbra GZH

Duas facções criminosas fizeram treinamento de lideranças e promoveram resolução de conflitos para evitar uma guerra por pontos de tráfico de drogas em São Leopoldo, no Vale do Sinos. 

A prática foi descoberta pela Polícia Civil durante investigações que resultaram na Operação Liberdade, realizada nesta sexta-feira (14). Quinze pessoas foram presas até o meio-dia, algumas delas em flagrante. Destas, seis já estavam detidas.

— Era nos moldes de coach. Uma liderança que está no sistema prisional mandou áudios para os seus subordinados, que também são de outras casas prisionais, para controlar quem está nas ruas e não entrar em conflito com a organização criminosa rival — resumiu o delegado Ayrton Figueiredo Martins Júnior, da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) de São Leopoldo.

Conforme o delegado, essa prática foi identificada pela primeira vez nas investigações do tráfico de drogas na região. O método adotado é uma demonstração de “organização” dos dois grupos criminosos, segundo o delegado.

— Os áudios chegam a ser anedóticos, de tão didáticos que as lideranças foram com seus subordinados. Esse material foi repassado até chegar na rua para os traficantes. O peculiar é que foi exitosa: através dessa mentoria, não houve conflito entre as duas organizações criminosas, que continuaram traficando, cada um respeitando sua área territorial delimitada — acrescentou o delegado.

Diálogos

Em três áudios obtidos pela investigação, um líder de facção, recolhido no sistema prisional, ordena mudança de postura frente a uma ameaça de ataque a rivais endossada por outros integrantes da organização criminosa. 

Gerente do ponto de tráfico:

É, tão tudo armado, tem que forma um time, chega e mete bala em tudo esses caras aí meu, forma um time e já vamo pica eles tudo a tiro, tão tudo armado também ali, vamo mete bala neles, tão se fazendo…

Dono do ponto de tráfico:

É brabo, querendo gavar, tirar foto, vai ver só, vai tomar paulada, tá traficando, tá sujeito a tomar paulada também, até tomar um tiro na cara.

Líder de facção:

Não é por eu tá certo, é que eu penso assim ó meu, tu tá respondendo uma boca de milhão, tu não é soldado cara, e daí tu tá agindo como soldado, daí tipo não tem como, não tem como, tipo assim ó, tu não é mais soldado cara, tu é o dono da boca irmão, então tu tem que agir como o dono da boca, como é que tu achar assim que o chefe dos [nome de facção], o chefe dos [nome de facção], o chefe dos [nome de facção], tu acha que eles entram pra guerra? Eles só se conversam. Quem que entra pra guerra? Os soldados. Daí eles vão lá, se matam, se matam, se matam, aí depois tu, o outro e o outro lá se conversam. Até aqueles que morreram ali não vão ser nem reconhecidos porque morreram, mas morreram por tua causa, por minha causa, por causa de outros né, mas como não eram ninguém, que que vamos fazer? Aquilo ali não era nada, só que não é assim que o cara prega, por isso que eu tento deixar vocês que já tocam as boca maior. Ó meu, …, ó, tu tá conversando com cara negociador, tu não tá conversando com soldado, então com cara negociador tu tem que ser inteligente cara, entendeu, tu não tá mais falando ali com soldadinho, com biqueirinho, com o cara que vendia contigo do teu lado ali, não meu, tu não é mais soldado, tu é chefe da tropa.

Como a apuração foi feita

As investigações da operação tiveram início em setembro de 2023. Em 14 de novembro de 2024, após uma apreensão de drogas e de prisões de dois traficantes, a Polícia Civil conseguiu identificar a postura adotada por 13 indivíduos, entre eles lideranças das duas facções recolhidas no sistema prisional.

Na ofensiva desta sexta-feira (14), foram cumpridos 38 mandados de busca e apreensão em Sapucaia do Sul, Esteio, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Viamão, Alvorada, Porto Alegre e Portão, além de 13 de prisão preventiva.

Até as 9h, 12 pessoas haviam sido presas. A ação ainda resultou na apreensão de fuzis, drogas, munições e dinheiro.

A operação foi realizada em conjunto com o Polícia Penal, que cumpriu ordens judiciais na Penitenciária Estadual do Jacuí, Penitenciária Modulada Estadual de Montenegro, Núcleo de Gestão Estratégica do Sistema Prisional (Nugesp), Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas e Penitenciária Estadual de Arroio dos Ratos.

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